É o que mostra um estudo feito no âmbito do RCGI que analisou a elasticidade dos preços do etanol e gasolina em relação à participação de mercado dos veículos.
Os carros flex-fuel – tecnologia que predomina na frota nacional com mais de 90% de participação de mercado – podem se tornar uma barreira de mercado para a expansão de veículos com novas tecnologias não poluentes, como elétricos ou movidos a hidrogênio.
Isso, porque se tornaram aquilo que os economistas chamam de um produto com elasticidade próxima a zero.
Ou seja, trata-se de um mercado protegido contra a flutuação de preços dos combustíveis, o que significa que a demanda por veículos com essa tecnologia tende a se manter inalterada.
Essa é uma das conclusões de uma pesquisa publicada em janeiro passado no periódico Transportation Research, na seção destinada a estudos de transportes e meio ambiente.
De autoria do pesquisador Thiago Luís Felipe Brito, doutor em Energia pelo Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE/USP), o estudo foi realizado no âmbito das pesquisas do Fapesp Shell Research Centre for Gas Innovation (RCGI).
Nela, o pesquisador analisou a elasticidade direta e cruzada dos preços dos combustíveis em relação à participação de mercado dos carros de passeio movidos à gasolina e etanol, entre 1980 e 2002, e posteriormente dos modelos flex, entre 2003 e 2017.
Os dados usados no estudo são da Associação Brasileira da Indústria Automotiva (ANFAVEA), do Escritório de Pesquisa Energética (EPE) e da Companhia Ambiental do Estado de São Paulo (CETESB).
Ao traçar um histórico da elasticidade dos preços desses combustíveis em relação à das vendas dos carros, o pesquisador constatou que as tecnologias que alcançam uma grande participação no mercado nacional apresentaram pequenas elasticidades, estando menos sujeitas a variações na demanda.
E que os programas de incentivo do Estado tiveram grande peso neste cenário.
Entre 1980 e 1990, por exemplo, a comercialização dos carros movidos a etanol é maior em relação aos de gasolina.
Isso está diretamente relacionado ao preço do etanol, que ficou mais baixo com os incentivos do ProÁlcool – Programa Brasileiro do Álcool, com subsídios para produtores de etanol e fabricantes de veículo, e isenção de impostos na venda ao consumidor.
Apesar do sucesso inicial de vendas, o etanol sofreu choques de preços durante a década de 1990, com o deslocamento de sua produção para o açúcar.
Além disso, o governo brasileiro passou a dar incentivos para carros de baixa cilindrada, os chamados carros populares, movidos à gasolina.
O resultado foi uma redução nas vendas dos carros a etanol, seguido do aumento das vendas dos veículos à gasolina.
A variação de preço do etanol foi tão grande que os consumidores deixaram de ter interesse pelos carros que usavam esse combustível, mesmo quando o valor dele caia.
“A participação dos carros à gasolina tornou-se então altamente inelástica; por maior que fosse a variação do preço da gasolina, o consumidor continuava preferindo carros com essa tecnologia”, afirma Brito.
Mudança radical – Em 2003, com a entrada da tecnologia flex-fuel, essa situação mudou radicalmente, principalmente a partir de 2005.
Foi quando as melhorias feitas na tecnologia flex resultaram em um aumento de 40% em sua eficiência energética.
As vendas disparam e o flex passou a dominar o mercado de veículos de passageiros.
“Os flex se beneficiaram duplamente: pelo preço mais barato do etanol e pela perda de interesse dos consumidores pelos veículos à gasolina.”
“Além da eficiência no consumo de combustível, o sucesso do flex se explica porque os preços da gasolina e do etanol sempre foram muito competitivos”, explica Brito, acrescentando que, paralelamente, o etanol passou a ter um papel crucial na redução das emissões de gases de efeito estufa, o que fortaleceu o ProÁlcool.
Por esse histórico e pelos achados nos cálculos de elasticidade do estudo, Brito acredita que a expansão ou entrada de novas tecnologias de combustão no Brasil será dificultada porque a competitividade do flex é muito grande; não só por dominar o mercado, mas também por ter políticas públicas favoráveis.
Em sua opinião, uma tecnologia híbrida (flex e elétrica), que aumentasse a eficiência energética, teria mais chances de competir no mercado brasileiro.
“Acredito que algumas tecnologias, eletricidade e hidrogênio, por exemplo, devem virar nicho de mercado, assim como ocorreu com o gás natural nos carros de passageiros”, afirma.
“Obviamente, que o preço dos combustíveis não é a única variável que afeta as vendas de carros, mas fica clara a necessidade de assegurar a competitividade de tecnologias que usam combustíveis alternativos, caso se queira abrir mercado para elas. A proposta desse estudo foi dar alguns parâmetros confiáveis de elasticidade para os formuladores de políticas públicas, pelo menos no que se refere à relação mercado de vendas de carros e preços de combustíveis”, conclui.
A pesquisa contou com a contribuição dos professores Towhidul Islam (University of Guelph – Canadá) e Marc Stettler (Imperial College London – Reino Unido), que orientaram Thiago Brito em seu doutorado sanduíche e contribuíram com a proposição da metodologia e a revisão dos cálculos.
Os professores Edmilson Moutinho dos Santos e Dominique Mouette, ambos do IEE/USP, acompanharam o trabalho do pesquisador e contribuíram com a visão nacional no estudo