A venda de veículos eletrificados no Brasil bateu recorde em maio, mas o carro elétrico é realidade no nosso País desde a década de 1970, quando pouco se falava em carros elétricos no mundo.
Naquela época, há 49 anos, o engenheiro João Augusto Conrado do Amaral Gurgel inaugurou sua fábrica na cidade de Rio Claro, quase às margens da Rodovia Washington Luís, e me convidou para conhecer as novas instalações onde deu início ao seu sonho de fazer um automóvel 100% nacional, movido a eletricidade.
Gurgel idealizou vários modelos, como o E150, seguido pelo Itaipu E400, nas versões furgão e picape com dois tipos de cabine, seu primeiro modelo com motor traseiro, e o minicarro Xef, uma de suas excentricidades com três bancos dianteiros e que tinha para-brisa e vidro traseiro exatamente iguais.
A série teve sequência com o Motomachine, menor que o BR-800, de apenas dois lugares e portas transparentes. Ou seja, muito à frente de seu tempo. Um carrinho, modelo city car, ideal para os dias atuais.
Nessa fábrica, Gurgel produziu uma série de modelos criativos e muito práticos e convidou, para trabalhar com ele, os experientes Bob Sharp, profissional que mais trabalhou em empresas automotivas, e José Augusto Barbosa de Souza, que trabalhou muito tempo para a Ford.
Mas as dificuldades se ampliaram quando o presidente Fernando Collor de Melo isentou de IPI todos os carros com motor abaixo de 1.000 cm³, que motivaram as fábricas a lançar opções maiores, mais confortáveis e potentes, a começar pelo Fiat Uno Mille.
A abertura das importações foi outro golpe difícil de ser assimilado com a vinda do jipe russo Lada Niva com preço mais atrativo que os modelos Gurgel.
Gurgel ainda teve força para lançar o Supermini em 1992, mas no ano seguinte pediu concordata.
Em 1994 foi o triste capítulo de um filme que tinha tudo para um final feliz. E para entristecer anda mais, seis anos depois o grande empresário morreu.
Mas voltando ao presente, onde os veículos eletrificados são a bola da vez, os híbridos dominam amplamente o mercado desse novo segmento no País.
Dos 3.102 eletrificados comercializados no mês passado, 3.016 foram híbridos. Ou seja, os 100% elétricos registraram apenas 86 unidades.
A curva de crescimento deverá ser mantida com base na história da indústria nacional.
Lembram-se da primeira crise mundial do petróleo em que o Brasil precisou trocar os motores a gasolina dos caminhões por propulsores a diesel, mesmo a contragosto dos motoristas porque os veículos a gasolina eram mais velozes e usados para distribuir produtos no menor tempo possível? Hoje ninguém pensa em motor a gasolina para caminhões.
O roteiro da história foi reeditado na adoção do álcool como combustível e a preocupação inicial se repetiu.
Recordam-se que os primeiros carros a álcool tinham dificuldade para funcionar nas manhãs e que muita gente chegou atrasada em seus compromissos por esse problema? Depois do álcool vieram os veículos movidos a combustível flex, o que confirma a versatilidade e a competência da engenharia brasileira.
As dificuldades para a aceitação imediata dos carros elétricos são o alto custo de aquisição e a falta de infraestrutura para recarga, embora os representantes das fábricas considerem que as despesas de manutenção vão compensar o investimento realizado na compra, pelo baixo volume de peças a serem substituídas, a maior durabilidade do motor e das baterias e a diferença de custo do combustível.
Até agora, a aquisição de veículos eletrificados tem sido feita só mesmo por empresas e pessoas de grandes recursos, e que utilizam em grandes centros urbanos.
Todos reconhecem o elevado preço de aquisição e a grande maioria compraria carro elétrico se o governo seguisse o exemplo da União Europeia, Estados Unidos, Chile, Colômbia e de outros países, com a redução do valor de impostos, licenciamento e até o uso de vias exclusivas, recargas de bateria em postos de abastecimento e outras ideias que deverão surgir com a criatividade brasileira.
Para os veículos comerciais, a Volkswagen Caminhões e Ônibus começou nesta segunda-feira, dia 14 de junho, a produzir o seu caminhão elétrico na fábrica de Resende, no estado do Rio de Janeiro.
O objetivo é fabricar quatro unidades por dia e fornecer inicialmente para a Ambev.
Além dela, a chinesa BYD já importa veículos 100% elétricos há alguns anos, apesar dos baixos volumes, e existe a expectativa do retorno da marca FNM (agora como Fábrica Nacional de Mobilidade) que também vai produzir na fábrica da Agrale, em Caxias do Sul, caminhões e vans elétricas.
Tenho certeza de que, se estivesse vivo, o engenheiro Gurgel estaria muito feliz e realizado em ver que, apesar de demorar 5 décadas, sua visão e sonho mais do que realidade, se transformaram na nova forma de a indústria automobilística mundial atuar, reduzindo emissões, preservando o meio ambiente e garantindo maior bem-estar para a sociedade.
Parabéns, Gurgel!
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