O novo ano me lembra que em 2013, a empresa Metro-Shacman anunciou a produção de caminhões da marca chinesa Shacman no Brasil e que a fábrica seria na estrada que corta o município de Tatuí e faz a ligação entre as rodovias Castelo Branco e Raposo Tavares.
Nesse mesmo ano, há uma década, a empresa participou da Fenatran, maior exposição de caminhões da América Latina realizada em São Paulo, com a apresentação de veículos produzidos na China e que seriam montados no Brasil no ano seguinte. Para dar mais força a esse anúncio, também apresentou um protótipo construído no País com a instalação de componentes produzidos por fornecedores brasileiros.
A ideia de produção de caminhões no Brasil surgiu quando a área de engenharia civil da empresa venceu uma licitação realizada em Angola, no continente africano, para a construção de estradas e conheceu os caminhões Schacman, disponíveis naquele país, entusiasmando-se com o desempenho dos veículos, muito robustos e adequados a serviços pesados.
Motivados pelo gerente da operação de Angola, João Comelli, que administrou a operação e com marcante visão empreendedora, os diretores da empresa sentiram que os veículos tinham condições de enfrentar as características brasileiras por serem semelhantes às do país africano.
Com a fama de apreciar desafios e com o relacionamento estabelecido com os diretores da empresa chinesa os brasileiros concentraram-se na ideia de, com o investimento de R$ 400 milhões, construir uma fábrica para a produção dos veículos e, em poucos meses, encontraram um edifício em Tatuí, no interior do Estado de São Paulo, com características que permitiriam a sua transformação em fábrica de caminhões.
Os diretores da empresa também deram início ao longo processo burocrático de apresentar ao governo o plano de construção da fábrica e aos trâmites necessários para obter a aprovação do programa Inovar-Auto e do investimento solicitado ao Ministério da Indústria e Comércio Exterior para início do empreendimento. Foi um período de intensas ações para atender aos procedimentos normais de um programa dessa magnitude e, para alegria geral, foi rapidamente aprovado.
Graças à habilitação no programa Inovar-Auto, a marca conseguiu permissão para importação de até 2.500 unidades por ano, até que a fábrica estivesse pronta, mas deveria seguir à risca o cronograma de instalação da fábrica.
Em 2014, a Shacman também foi a primeira chinesa a se filiar à Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (ANFAVEA), o que mostrava que realmente estava interessada no mercado brasileiro.
Outra ação importante foi montar uma equipe de profissionais experientes na produção de caminhões pesados, como os engenheiros Marcos Gonzalez designado para o cargo de diretor de desenvolvimento de negócios; Fernando Campos, especialista em testes e desenvolvimento de veículos; Laerte Valadão, especialista em especificações técnicas; João Comelli, gerente da operação de Angola e quem aprovou os caminhões utilizados no programa, e Rubens Cella da RCM-Engineering and Industrial Solutions, com um longo histórico de construção e montagem de fábricas de automóveis e caminhões. Um grupo de profissionais de muita competência.
Cada um desses profissionais tem uma história importante nas atividades automobilísticas: Gonzalez comandou diversos programas em diferentes fábricas nacionais; José Fernando Campos participou de uma longa lista de projetos de novos veículos desenvolvidos e lançados pela Ford, e Rubens Cella foi responsável por uma série de projetos de produção de veículos, com destaque para a transferência da linha de caminhões da Ford, do Ipiranga para São Bernardo do Campo, de forma inédita.
Os caminhões apresentados na Fenatran de 2013 foram os cavalos mecânicos TT 420 6×4, TT 385 4×2 e TT 385 6×4 e o Shacman LT 385 6×4, que permitiria a aplicação de carrocerias ou implementos para atender aos mais diferentes tipos de transporte de cargas pesadas e extrapesadas.
O protótipo do primeiro modelo de caminhão pesado a ser produzido pela empresa no Brasil, resultado do trabalho da área de engenharia e planejamento do produto, foi o cavalo mecânico TT 440 6×4, com mais de 60% de seus componentes pertencentes a fornecedores internacionais já instalados no País para atender ao programa Inovar-Auto.
Supreendentemente, a empresa passou a reduzir as informações e sem um anúncio oficial apenas transmitiu ao grupo que passou a enfrentar dificuldades e que o programa seria interrompido.
A notícia decepcionou o grupo pela forte dedicação ao programa e pelo elevado nível do projeto. O engenheiro Fernando Campos considerou que a interrupção do trabalho causou tristeza porque os veículos tiveram excelente desempenho no programa de testes e desenvolvimento, vencendo todas as etapas do programa ao longo de mais de 500 mil quilômetros em estradas e ruas brasileiras.
Marcos Gonzalez, responsável pelo projeto do protótipo do caminhão a ser produzido no Brasil, que atraiu o público e os transportadores durante a Fenatran de 2013, também revelou grande decepção.
Rubens Cella manifestou frustração pelo nível do projeto que idealizou para a fábrica e considerou que foi um dos melhores que teve oportunidade de realizar. Explicou que precisou resolver uma difícil equação porque a fábrica foi construída para produzir peças e objetos de cerâmica e não para produtos de grandes dimensões, como caminhões pesados.
O desafio foi adequar o espaço existente para permitir o transporte dos chassis pela linha de montagem e incorporar componentes, desviando de áreas mais limitadas sem comprometer o ritmo produtivo. Para Cella foi uma difícil, mas gratificante missão que os companheiros de profissão consideraram um projeto inédito.
No ano de 2019, a empresa Golar Power Latam, uma joint venture formada entre a norueguesa Golar LNG e o fundo Stonepeak, e a empresa Alliance GNLog, anunciaram a importação de até mil unidades até o final de 2020 do modelo Shacman X3000, movidos a gás natural.
Além dos caminhões importados, foi assinado um protocolo de intenções da construção de uma fábrica da Shacman em Sergipe, em um acordo com o governo estadual. Inicialmente, caso a fábrica fosse mesmo construída, os caminhões seriam montados em CKD, ou Completely Knocked-Down, com peças importadas da China, e posteriormente a produção seria completamente feita aqui. Não houve mais detalhes após a divulgação inicial do projeto.
Dados dos licenciamentos realizados, mostram que a montadora emplacou somente 57 caminhões no Brasil, 16 unidades em 2012, e 34 veículos em 2013.
Em 2014, mesmo sem ter sido lançado no mercado brasileiro o protótipo Metro-Shacman foi classificado entre os finalistas do Prêmio REI, promovido pela editora Automotive Business, com o título “Um caminhão em seis meses”. Um reconhecimento importante que profissionais de elevado nível conquistaram para a Metro-Shacman.