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Brincadeira de gente grande

É sábado de manhã e já se percebe a movimentação dos pilotos em suas escuderias preparando seus carros e ferramentas para as provas da tarde. É preciso separar as ferramentas, fluidos, pneus, e toda sorte de peças de reposição para uma eventualidade.

Conforme a programação recebida com antecedência por e-mail, e já confirmada pelos pilotos participantes, teremos início da primeira prova às 17 horas, mas a partir das 14 horas já teremos intensa movimentação nos boxes da pista, com os preparativos inicias, sendo que a liberação será oficialmente às 15h00min para testes dos carros e treinos livres.

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A partir deste horário todos os dados de quem vai participar de cada prova já está registrado no computador do diretor de prova, as inscrições foram feitas por e-mail antecipadamente para permitir a organização das baterias.

Os novatos, geralmente convidados sempre são bem-vindos, e também são devidamente cadastrados. Todos devem estar preparados e devidamente credenciados para a série de provas que se iniciam as 15h00min e se não houver imprevistos, devem terminar até às 20 horas onde se inicia uma grande confraternização regada a vinho e pizza.

Desculpe caro leitor, mas só esqueci-me de mencionar que estamos falando de uma febre dos anos 80 que ainda sobrevive com glamour… o autorama.

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Este enredo não é ficção ou invenção do meu imaginário, este cenário acontece impreterivelmente uma vez por mês como parte de um campeonato de autorama entre amigos na cidade de São Paulo.

É interessante ressaltar que o nome AUTORAMA é uma metonímia, pois é na verdade a marca original para os “carros de fenda” da fábrica de brinquedos ESTRELA, ou “Slot Car” como é conhecido nos Estados Unidos.

“Toda esta história começou nos anos 80 durante a faculdade de engenharia”, explica o Engenheiro Eduardo Tomanik, onde alguns amigos apaixonados por autoramas se encontravam eventualmente nas casas uns dos outros ou por vezes nas casas de pistas para locação.

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“Brincar” de AUTORAMA em casa às vezes dispendia muito tempo e paciência, pois exigia a montagem da pista cheia de encaixes e travas e ao final tudo tinha de ser desmontado, pois as “mães” não costumavam concordar em ter as pistas montadas no meio da sala ou num quarto da casa.

As pistas comercializadas pela Estrela na época tinham apenas duas linhas de “fendas” e não permitiam grandes manobras ou disputas, principalmente pela dificuldade de se efetuar uma ultrapassagem dado a largura da pista.

As velocidades também eram baixas o que incentivava as escapadas para casas como a Sebring na famosa Rua Augusta, em São Paulo, para uma competição mais acirrada.

Nestes locais as pistas tinham no mínimo 6 linhas de “fendas” e permitiam velocidades maiores onde carrinhos “preparados” atingiam altas velocidades, explica o engenheiro Carlos Monteiro.

O tempo passou, a faculdade não dava trégua, e os primeiros empregos vieram, o que naturalmente fizeram com que os amigos pilotos fossem aos poucos abandonando seus carros e escuderias… Porém um abandono temporário como iríamos testemunhar.

A tecnologia evoluiu nesses 30 anos e embora ainda se encontrem alguns fanáticos por carros de velocidade, com a mesma tecnologia dos anos 80, temos hoje disponível no mercado carros com “chip” e controles digitais, o que permitem ter mais de seis carros correndo ao mesmo tempo em pistas com duas fendas e a possibilidade de troca de pistas e entradas nos boxes, sem falar do controle dos faróis e freadas.

O controle eletrônico da pista permite programar as corridas, com número de voltas, entradas nos boxes, controlando em tempo real o número de voltas de cada carro, o tempo de cada volta.

Ao final basta um toque em um botão e os competidores terão a classificação da corrida com os tempos de cada carro e a melhor volta, explica o engenheiro Alexandre Lopes.

Foi este o principal motivo que levou os amigos migrar aos poucos para esta nova tecnologia e iniciar um “Clube” de amigos e promover campeonatos entre eles.

As mães não mais se preocupam ou reclamam das pistas e acessórios espalhados pela casa, mas agora em sua grande maioria as esposas passariam a serem parceiras e curtir a diversão.

Cada um dos pilotos, mais aficionados pelos pequenos bólidos, encontrou uma solução para ter uma pista em sua casa que não conflite com a vida familiar. Neste grupo em particular podemos enumerar cinco pistas.

A Pista “MONACO CB” foi montada em um terraço “Gourmet” do apartamento do engenheiro Eduardo Tomanik, um dos mais aficionados, que deram início a toda essa brincadeira.

A pista ao ser fechada se transforma em um armário na parede, criatividade e engenharia foram usadas ao limite, pois a montagem da pista não demora mais que 10 minutos, apenas sendo necessário abrir o “armário pista” e ligar na eletricidade. Todas as conexões já estão feitas, controles de pista e dos carros “plugados”.

Outras pistas se mantém montadas durante todo o ano como a “CONSTELATION” do engenheiro Carlos Monteiro, num pequeno espaço em sua editora, uma pista planejada para ser erguida com polias ao teto, dispositivo que nunca precisou ser usado, pois o espaço se tornou exclusivo para a atividade.

A “FOCESI RING” do engenheiro Humberto Focesi fica posicionada em cima de sua garagem, também com área exclusiva, como a “FENIX” muito bem localizada junto a uma churrasqueira em um anexo da casa do engenheiro Nicola Getschko.

A “AlgarvenHein” do competitivo engenheiro Alexandre Lopes está montada no espaçoso porão (“basement”) de sua casa, o que nos chama a atenção neste caso é a coleção de “carrinhos de autorama” de Fórmula 1 com mais de 50 carros expostos em uma vitrine na sala de estar de sua casa, que contam a história da Fórmula 1, desde os primórdios até os dias de hoje passando pelas Lotus, da década de 50 as Tyrrel de 6 rodas, os Coperçucar e enfim os atuais e modernos Fórmula 1, que vemos na televisão nas manhãs de domingo.

Talvez a mais extravagante seja a “ORANGE ABC” do engenheiro Wagner Lopes, que decidiu cobrir a piscina de seu apartamento e montar em cima dela uma das mais belas pistas, num ambiente muito bem cuidado com decoração pertinente e itens automotivos.

Enfim esse grupo resolveu investir na brincadeira e anualmente promove um verdadeiro campeonato com 12 provas variando-se as pistas.

No início do ano o grupo se reúne para discutir as regras das provas e decidir as categorias bem como onde e quando será efetuada cada etapa.

Existem corridas diurnas, com chuva (spray de água) e noturnas, onde se apagam as luzes do ambiente e corre-se apenas com os pequenos faróis dos carros.  Essas discussões levam dias por “Whatsapp” e não é incomum presenciar algumas brigas acirradas se alguém acha que pode estar em desvantagem perante outro competidor por conta das regras.

Os carros utilizados por aficionados em autorama, geralmente são da CARRERA; NINCO; SCALEXTRIC e SCX, porém além destas quatro grandes marcas, existem muitas outras que oferecem diferentes atributos aos carros, como desempenho, qualidade, acabamento, fidelidade das réplicas, etc. Não existe uma marca melhor ou pior.

Neste grupo dá-se preferência carrinhos das marcas CARRERA e SCALEXTRIC com uma prova especial de carrinhos de uma marca única.

O regulamento restringe os modelos para uma disputa mais acirrada e são divididas em cinco categorias: RALLY (original sem o imã de estabilidade); TRANS-AN; DTM; GT MODERNO e GRUPO C, sempre com referências a carros e provas presentes no mundo real.

Nos chama a atenção, o nível de realidade visual dos carros, que reproduzem todos os mínimos detalhes de carros de verdade, incluindo em alguns modelos até a sujeira e o barro comum principalmente em carros de Rali.

Nas regras do grupo na maioria das provas, é mandatório manter as características originais dos modelos não sendo permitido retirar nenhuma peça com intuito de alivio de peso. Nenhuma preparação é permitida, a não ser quando ocorrem provas especiais de carros preparados onde o céu é o limite.

A simples quebra de um “spooler” ou “retrovisor” obriga o piloto a reparar o carro entre uma prova e outra, correndo o risco e desclassificação se alguma peça estiver faltando e for notada pelo “diretor” da prova.

Na prova DTM, uma das mais disputadas, carrinhos idênticos, mantidos pelo grupo, são “sorteados“ entre os presentes, competidores costumasses e convidados.

Diversas baterias de 4 a 6 carros participantes competem acirradamente para ser obter uma classificação final, os convidados com menor pratica fazem a sua parte efetivamente atrapalhando os que já competem há algum tempo.

Enquanto seis pilotos disputam a prova os outros presentes cooperam como “bandeirinhas” (ficam recolocando os carros na pista em caso de derrapagem), e outros ficam em suas escuderias (caixas de ferramentas) preparando seus carros para as próximas provas.

Logicamente sempre existe a turma da arquibancada, que vai nessas reuniões para bater papo e tomar uma cerveja gelada, afinal aqui é permitido beber e dirigir!

São constantes as discussões e bate bocas durante e após a prova, momento em que se nota toda a energia e entusiasmo dos participantes, ora por ter sido fechado, ter levado uma batida na traseira ou mesmo porque outro competidor mais lento não saiu da frente durante uma disputa. Cabe ao diretor da prova de forma imparcial decidir se cabível pelas penalidades.

No fim tudo acaba em pizza, diz Eduardo, “após as provas as acaloradas discussões costumam ser ao redor de uma mesa com muita pizza e regada a vinhos trazidos pelos competidores inclusive com a presença das esposas”.

Uma interessante constatação é que os jovens (filhos, sobrinhos, amigos), não se interessam pelos pequenos “bólidos” da mesma forma que os adultos na faixa deste grupo (dos 50 anos), afirma Carlos, “me parece que eles não têm a mesma paciência na montagem das pistas, no preparo dos carros, ou mesmo na competição em si, são muito mais imediatistas e preferem apertar botões nos vídeos games, que lhes parecem mais rápidos, e exigem menos destreza com as leis da física”.

Constata-se ainda que os “games” que simulam carros e corridas são os de menor preferencia e vendas.

Os jovens vêm se desinteressando pelos carros de passeio e preparações de motores, da mesma forma que nós, sêniores.

Afinal para ligar dois pontos basta chamar um carro de aplicativo, as corridas de Formula 1, perderam a graça dos anos 80 quando já tiveram maior popularidade, e hoje é muito mais um jogo de estratégias do que efetivamente habilidade em acelerar e frear, isto tudo acaba tendo reflexos no automodelismo.

Henrique Pereira – Henrique Basílio Pereira é engenheiro mecânico, especializado em motores e MBA Têm 30 anos de experiência na indústria automobilística em parte adquirida em uma grande montadora. É Membro da Comissão Técnica de Motores da SAE BRASIL e das Comissões técnicas de Eficiência Energética e de Combustíveis da AEA.  Atualmente, é professor orientador de curso de pós-graduação em Engenharia Automotiva, e atua como consultor automotivo especializado para revistas e televisão.

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