(*) Michel Levy – Nos últimos tempos a notícia ocupou as manchetes e deixou até mesmo os mais céticos boquiabertos: o carro sem motorista, totalmente autônomo, é questão de (pouco) tempo.
A McKinsey aponta que 15% dos veículos em 2030 já serão driverless. Embarcar num veículo destes e poder esquecer o volante para acessar seus emails, assistir sua série preferida, fazer compras online, saborear uma refeição e degustar um vinho ou jogar uma partida de truco será, sem dúvida, priceless.
Mas uma pergunta não quer calar: será realmente seguro?
Após os acidentes recentes envolvendo carros da Tesla e do Uber a discussão ficou ainda mais quente. A Inteligência Artificial conseguirá mesmo substituir o ser humano na condução de um veículo? E se ocorrer uma batida ou atropelamento com vítima fatal, quem será o culpado? Como fica a questão ética a partir das decisões tomadas pela IA em situações de riscos, quando escolhas têm que ser feitas?
Este debate vem se intensificado dentro do mundo dos carros autônomos, especialmente como eles serão programados para agir na iminência de um acidente. Já ouviu falar no “dilema do Trolley”? Qual será a decisão da IA se tiver que salvar a vida do passageiro sacrificando a de outra pessoa?
Video “dilema do Trolley”. Fonte: TED-Ed (Lição de Eleanor Nelsen)
A redução dos sinistros será uma das consequências mais positivas do avanço da conectividade, monitoramento e uso de Inteligência Artificial nos veículos por um simples e compreensível motivo: a principal causa dos acidentes é, adivinhem, o fator humano.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, todos os anos 1,25 milhão de pessoas morrem no trânsito, sendo a principal causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos. Somos o quinto país entre os recordistas, com mais de 37 mil óbitos e 204 mil feridos em 2015, de acordo com o Ministério da Saúde.
Entre os principais fatores indicados pela Polícia Rodoviária Federal estão a falta de atenção, excesso de velocidade, ingestão de álcool, desobediência à sinalização, ultrapassagens proibidas e sono. A Associação Brasileira de Medicina do Tráfego indicou que o uso do celular é o terceiro principal responsável.
Ou seja, nós somos nosso maior risco.
Na prática, especialmente nos países em desenvolvimento, caso do Brasil, transformar a ficção do robô-táxi em realidade, como está se apressando a Waymo, empresa da Alphabet (leia-se Google), irá exigir consideráveis investimentos como, apenas para mencionar alguns, em infraestrutura de mobilidade urbana, preparando ruas e estradas para receber os carros autônomos; em telecomunicações para construir redes de transmissão de dados em alta velocidade; e em regulamentação.
Em outras palavras, por aqui o carro 100% autônomo ainda vai levar um tempo para se viabilizar economicamente, o que não significa dizer que deixaremos de embarcar na era da Internet das Coisas e do Machine Learning em nossas próximas viagens.
Na verdade, já faz algum tempo que a indústria automotiva incorporou sistemas de telemática e que cumprem um importante papel na “direção assistida” do veículo parcialmente autônomo, estágio que antecede o veículo totalmente autônomo.
Hoje a tecnologia já faz muito mais do que apenas oferecer um “simples” GPS. Com a evolução da computação em nuvem e do Big Data, os veículos passaram a coletar e processar um grande volume de dados, agregando novas valiosas informações relacionadas ao hábito de dirigir e o comportamento dos motoristas.
Depois de ficar conhecida na Fórmula 1, permitindo às escuderias acompanhar uma infinidade de dados sobre os carros e os pilotos, a telemática está se tornando um acessório obrigatório nos veículos de carga, acelerada pela rápida interconexão de sensores espalhados pelo veículo com apps de smartphones e computadores de bordo.
De olho no cockpit dos condutores, empresas de transporte e outros serviços monitoram diversos indicadores para uma direção mais segura e econômica, como velocidade, aceleração, frenagem, ociosidade e uso dos faróis.
Os dados são coletados por sensores de ponta e conectados a um “cérebro” de controle do motor (ECU), que capta as principais informações e as envia para a nuvem para que sejam processadas e analisadas. Com o uso de algoritmos, é possível até detectar mudanças de comportamento, que podem indicar sonolência ou até mesmo o uso de álcool ou drogas.
Com as informações geradas a partir desses dados (como no dashboard da imagem abaixo), os algoritmos podem recomendar medidas preventivas visando minimizar riscos, além de diminuir o consumo de combustível e custos com manutenção. Assim as empresas podem avaliar a performance de seus motoristas, premiando os que são mais cuidadosos e reforçando o treinamento dos mais imprudentes, reduzindo assim significativamente os riscos de sinistros e os custos operacionais.
O tombamento de caminhões é o acidente mais grave e frequente em rodovias brasileiras e ocorre principalmente por problemas de velocidade incompatível e problemas na via. Com o uso da telemática, o sistema cruza dados e mapeia os principais locais de risco, alertando previamente os motoristas para que redobrem a atenção nesses locais, indicando por alertas sonoros dentro da cabine qual a velocidade segura para fazer determinada curva.
Estima-se que teremos 220 milhões de carros inteligentes conectados circulando pelo planeta até 2020, ano em que o mercado global de telemática será de 44 bilhões de euros. Um estudo da Telefônica indica que 90% dos novos carros irão sair de fábrica conectados até a virada da década. Já neste ano de 2018 a Europa obrigou a indústria automotiva e equipar todos os novos carros com um recurso que irá acionar serviços de emergência na ocorrência de um acidente.
O mercado de seguros de veículos de passeio estará entre os mais impactados pela disseminação da telemática no setor automotivo. Isso porque, entre outras mudanças no modelo de negócio, as novas apólices dos carros conectados poderão ter seus preços definidos de acordo com o comportamento do motorista. Motoristas com perfil de risco elevado, como os jovens, terão os valores dos prêmios reduzidos caso aceitem ser “espionados” pelo equipamento. E se dirigirem direitinho conseguirão novos merecidos descontos na renovação.
A partir do acompanhamento, leitura e análise em tempo real da ‘caixa-preta’ facilmente instalada no veículo, a seguradora poderá perceber, por exemplo, que a Força G ultrapassou determinado valor, indicando a ocorrência de uma batida. Além de chamar os paramédicos, o sistema permitirá fazer uma reconstrução do sinistro e revelar as reais causas, tornando a análise independente do depoimento de testemunhas. A telemática, através do cruzamento de dados (Big Data), irá avaliar fatores como local, horário, condições meteorológicas, situação da via, atitude do motorista e muitos outros dados.
Portanto, presta atenção, senhor motorista! Eu sei quem você é! E sei como você dirige! Então, enquanto os robôs não assumem a direção, é bom tomar cuidado e tirar o pé do acelerador e o olho do celular, combinado?
(*) Michel Levy é CEO da Omnilink, empresa que oferece integração de soluções para segurança e prevenção de risco, gestão de frotas, monitoramento de veículos e telemetria. É também Membro do Conselho do Grupo Benner e foi CEO da Saraiva, Presidente da Microsoft no Brasil e Vice-Presidente de Operações da TIM