Marcada pela necessidade de distanciamento social para impedir a transmissão do novo coronavírus, a pandemia da Covid-19 tirou grande parte da população brasileira das ruas, mas não reduziu o contingente de vítimas do trânsito.
Pesquisa da Associação Brasileira de Medicina do Tráfego (Abramet) com dados oficiais do Ministério da Saúde mostra que, entre março de 2020 e julho de 2021, o Sistema Único de Saúde (SUS) registrou um total de 308 mil internações de pessoas em decorrência de sinistros de trânsito em todo o Brasil.
Dentre as vítimas dos chamados “acidentes de transporte”, qualificação usada pelas autoridades sanitárias, mais da metade (54%) eram motociclistas.
Considerado apenas o período de janeiro a julho, em 2021 o número de internações de motociclistas bateu recorde histórico, alcançando 71.344 casos graves e que exigiram a hospitalização do motociclista. Além do alto custo para a saúde dos indivíduos e suas famílias, as tragédias também custaram aos cofres públicos quase R﹩ 108 milhões neste ano. No ano passado, o SUS desembolsou cerca de R﹩ 171 milhões para tratar motociclistas traumatizados.
“Esses dados mostram que é urgente olharmos para o motociclista e adotar medidas educativas e de prevenção ao sinistro focadas nesse público. É mais uma confirmação para o alerta que temos feito para a gravidade desse cenário”, afirma Antonio Meira Júnior, presidente da Abramet.
“A presença desse condutor no trânsito aumentou significativamente nos últimos anos, sobretudo durante a pandemia, período em que eles alçaram relevância ainda maior para a sociedade. É um público mais exposto ao risco e mais vulnerável a sofrer lesões no caso de se envolver em um sinistro de trânsito. Por isso, precisa de políticas específicas que ajudem a preservar sua vida e proteger sua saúde. Nós, na Abramet, estamos atentos a isso”, acrescenta.
O presidente da Abramet destaca a importância de observar os números também pelo aspecto social. Especialistas da entidade avaliam que a cada paciente hospitalizado, em decorrência de sinistro de trânsito, no mínimo quatro pessoas próximas são diretamente impactadas: acompanhante de internação, suporte familiar, auxílio financeiro, custeio de medicamentos, período de reabilitação e possível reorganização dos hábitos cotidianos para sequelas permanentes.
Fonte: Ministério da Saúde, SIH/SUS. *Até julho
“A Abramet defende o respeito às leis e o uso de equipamentos de segurança pelo condutor, especialmente os motociclistas”, afirma Flávio Emir Adura, diretor científico da entidade. “Há uma evidente relação entre o uso de capacete com a classificação do traumatismo cranioencefálico. A maior parte das vítimas que fazem uso efetivo do equipamento é acometida de traumas menos graves”, esclarece.
Estudos constatam a redução na probabilidade de lesão intracerebral de 66% para motociclistas e ciclistas com uso do capacete. Adura alerta que o uso do capacete diminui a gravidade da lesão, no caso de sinistro, em cerca de 72% e a probabilidade de morte em aproximadamente 45%.
Maioria masculina – Os dados analisados pela Abramet mostram o crescimento continuado das internações de motociclistas, a exceção de 2017 (quando houve redução de 0,5% em relação ao ano anterior) e 2020 (0,3% a menos que ao ano anterior a pandemia. A pesquisa preparada pela entidade identificou no público masculino o maior contingente de vítimas internadas pelo SUS: de janeiro a julho de 2021, foram atendidos 59.499 homens e 11.845 mulheres. Em 2020, foram 95.343 e 19.201 respectivamente.
A Abramet também examinou a incidência de óbitos neste público. Dados oficiais mostram que, em média, cerca de 2 mil motociclistas que chegaram a ser socorridos e internados não resistiram aos ferimentos e morreram. Em 2020, apesar da pandemia, a letalidade dos sinistros foi uma das maiores dentre a série história: 2.094 casos. Até então, o maior contingente de motociclistas traumatizados, hospitalizados e mortos em sinistros foi observado havia sido registrado em 2016, com 2.274 casos.
Atenção aos jovens – Quando avaliada a faixa etária, os grupos de 20 a 49 anos acumulam os maiores contingentes de internações: de janeiro de 2012 a julho de 2021, foram registradas quase 340 mil vítimas de 20 a 29 anos de idade; 232 mil com idade entre 30 e 39 anos; e 144 mil de 40 a 49 anos. Em quarto lugar nas estatísticas figuram vítimas de 15 a 19 anos de idade, com um total de 116,8 mil casos.
“Para além da gravidade geral, esses dados mostram a urgente necessidade de melhor entender a complexa natureza dos eventos de trânsito envolvendo esta população de usuários da via. A partir da compreensão do fenômeno, cabe propor medidas voltadas para o controle dos múltiplos fatores geradores dos sinistros”, diz José Heverardo da Costa Montal, diretor da Abramet.
Segundo ele, há casos de sucesso, como o da Espanha, com expressiva redução na sinistralidade entre jovens não habilitados ou recém habilitados: naquele país, esse público passa pela ênfase no ensino de valores como respeito, ética e responsabilidade. “A formação específica como condutor é focada na construção da cidadania e no efetivo conhecimento e domínio do veículo e do ato de dirigir”, explica.
O diretor da Abramet destaca, ainda, que a motocicleta é um meio de transporte ágil, relativamente barato e de consumo econômico. “Em tempos de pandemia tem ainda o apelo de evitar aglomerações, diminuindo a chance de contaminação com o coronavírus. Recém habilitados, nem sempre com adequada formação para conduzir em vias públicas, jovens e inexperientes, esta população de motociclistas torna-se presa fácil dos sinistros de trânsito”, acrescenta.
Em outro recorte, a pesquisa mostra um panorama do sinistro de trânsito com motociclistas nos Estados brasileiros, por região. De janeiro a julho de 2021, a região Sudeste foi a que registrou maior contingente de motociclistas internados em decorrência de sinistros, com total de 29.218 pessoas – 19% mais que no mesmo período de 2020. Em segundo lugar está a região Nordeste, com 23.370 vítimas – 18% mais que o registrado no primeiro semestre de 2020.
O Centro-Oeste foi a única região brasileira que registrou redução de internação de motociclistas: no primeiro semestre de 2021 foram 5.931 hospitalizações – 5% menos que o registrado no mesmo período de 2020.
Frota em expansão – Estudo publicado pela Abramet em julho de 2021 trouxe um panorama inaugural sobre a presença da motocicleta no trânsito brasileiro. Dados oficiais apurados pela entidade demonstram que o número de motociclistas cresceu 54,3% entre 2009 e 2019 no Brasil: 33.024.249 milhões de brasileiros estão habilitados na categoria A, ou combinando as categorias AB, AC, AD e AE, o equivalente a 44,7% do total de portadores de Carteira Nacional de Habilitação (CNH).
Essa expansão alcança também a presença de motocicletas nas vias brasileiras: a frota de motocicletas quase dobrou nesse período, saindo de 15 milhões de unidades em 2009 para mais de 28 milhões dez anos depois.