A proposta do ministro dos Transportes, Renan Filho, de extinguir a obrigatoriedade de aulas em autoescolas para a obtenção da Carteira Nacional de Habilitação (CNH) representa um perigoso retrocesso num país que já lidera as estatísticas mundiais de mortes no trânsito.
Em nome da redução de custos — estimados entre R$ 3 mil e R$ 4 mil para a habilitação — o governo pretende abrir mão da principal ferramenta de formação segura de condutores: a educação formal e supervisionada, que garante que o cidadão aprenda, de fato, a dirigir com responsabilidade, respeitando as regras e os limites de convivência no tráfego urbano e rodoviário.
O Brasil é o terceiro país do mundo em mortes por acidentes de trânsito, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). São mais de 30 mil vidas perdidas todos os anos, grande parte delas envolvendo condutores inexperientes, motociclistas e jovens sem a devida formação. Diante desse cenário, desobrigar a formação técnica como caminho para baratear o processo de habilitação é transferir um problema social para o asfalto, onde os mais vulneráveis pagam com a vida.
O próprio ministro reconhece que cerca de 20 milhões de brasileiros dirigem sem carteira e que 40% dos compradores de motocicletas não possuem CNH. Mas, ao invés de encarar esse dado como um alerta para reforçar políticas de educação no trânsito, a proposta sugere um perigoso afrouxamento das exigências mínimas de preparo, validando um comportamento irregular e perpetuando a lógica do improviso nas ruas e estradas.
Outro argumento apresentado, o da existência de “máfias” em autoescolas e reprovações propositalmente forçadas, é um problema de fiscalização e controle público, e não um motivo legítimo para desmontar um sistema que, mesmo com falhas, ainda é a única estrutura regulada de formação para novos condutores. O que precisa ser enfrentado é o modelo mercantilizado de ensino, e não a eliminação da obrigatoriedade de aprendizado prático e teórico.
Em vez de eliminar as aulas obrigatórias, o Brasil deveria criar uma rede de Escolas Públicas de Trânsito, gratuitas e acessíveis, voltadas principalmente para a população de baixa renda. Assim como existem escolas públicas de educação básica, é perfeitamente viável — e desejável — que o Estado ofereça uma estrutura de formação cidadã no trânsito, com educação técnica, simulações, aulas práticas e acompanhamento psicológico, especialmente para motociclistas e jovens que acessam o mercado de trabalho precocemente.
Também é urgente incluir disciplinas de educação no trânsito nas escolas regulares, desde o ensino fundamental, formando gerações mais conscientes dos riscos e responsabilidades de conduzir um veículo. Isso atenderia à função social e preventiva do Estado, ao mesmo tempo em que democratiza o acesso à habilitação sem abrir mão da segurança coletiva.
A proposta do governo, apesar de apresentar boas intenções — como baratear o acesso à CNH e combater desigualdades — erra ao escolher o atalho da desregulamentação em vez do caminho da inclusão via políticas públicas. A solução para o alto custo da habilitação não é acabar com o ensino, mas garantir que ele seja gratuito, ético, de qualidade e acessível a todos.
Em um país com um dos maiores índices de violência no trânsito do mundo, permitir que condutores aprendam a dirigir sem acompanhamento técnico é abrir mão da proteção à vida em nome da facilidade burocrática. Um erro que pode custar caro à sociedade.
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CNH (Carteira Nacional de Habilitação): Documento que atesta a capacidade legal de um cidadão conduzir veículos automotores.
Autoescola: Instituição credenciada pelos Detrans para ministrar aulas teóricas e práticas a candidatos à primeira habilitação.
Senatran: Secretaria Nacional de Trânsito, órgão federal responsável por definir normas e diretrizes para a segurança viária.
Educação no trânsito: Conjunto de ações pedagógicas voltadas à formação de cidadãos conscientes e preparados para convivência segura no trânsito.