A Lei nº 14.711/2023, conhecida como Marco Legal das Garantias, buscou modernizar o sistema de crédito brasileiro ao simplificar e acelerar a recuperação de garantias em casos de inadimplência, especialmente nos financiamentos de veículos por alienação fiduciária. Contudo, uma decisão liminar do ministro Dias Toffoli, do STF, suspendeu a previsão que autorizava os Detrans a conduzirem a execução extrajudicial, o que, segundo o mercado, representa um retrocesso que aumenta custos, burocracia e, consequentemente, o preço final do crédito ao consumidor.
A Lei nº 14.711/2023, denominada Marco Legal das Garantias, foi uma das mais importantes modernizações no sistema de crédito brasileiro nas últimas décadas, visando tornar o processo mais eficiente.
Seu principal objetivo era simplificar e acelerar a recuperação de garantias, combatendo a burocracia histórica e criando um ambiente mais seguro para a concessão de crédito no país.
No segmento de veículos automotores, a alteração mais significativa ocorreu no regime de alienação fiduciária, que é o principal instrumento jurídico utilizado nos financiamentos.
A alienação fiduciária, prevista no Código Civil e regulamentada pelo Decreto-Lei 911/69, define que o comprador transfere a propriedade do veículo ao credor, como garantia, até a quitação integral da dívida.
O comprador permanece apenas com a posse direta do bem. Assim, em caso de inadimplência, o veículo pode ser retomado pelo credor (banco ou financeira) para cobrir o débito.
O Marco Legal das Garantias visava reduzir os custos e os longos prazos na execução destas garantias, possibilitando procedimentos extrajudiciais mais rápidos.
Essa agilidade seria obtida com o uso de plataformas digitais e uma redução da intervenção do Poder Judiciário nos processos de recuperação.
Entre os principais avanços propostos pela lei estava a redução do custo do crédito, decorrente da diminuição de riscos e da burocracia envolvida na recuperação do bem.
A nova legislação também trazia a flexibilização de garantias, permitindo que o mesmo bem fosse utilizado em múltiplas operações de crédito.
Outro ponto fundamental era a execução extrajudicial mais célere, sem a necessidade de longos processos judiciais para que o credor retomasse o bem alienado.
O conjunto de mudanças pretendia estimular a concorrência no setor de crédito e criar um ambiente favorável à oferta de financiamento com garantias reais.
A segurança jurídica para os agentes financeiros seria um benefício direto, pois a retomada do bem seria mais previsível e rápida, diminuindo o risco financeiro.
Nesse novo modelo, os Detrans (Departamentos Estaduais de Trânsito) passariam a atuar diretamente na execução extrajudicial dos veículos alienados, agilizando a retomada do bem.
Contudo, este ponto específico da lei, contido no art. 8º-E do Decreto-Lei 911/69, que delegava aos Detrans a condução dessas execuções, foi contestado judicialmente.
O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), alterou seu posicionamento e considerou o dispositivo inconstitucional.
Para o ministro, os Detrans não possuem competência funcional para realizar atos tipicamente controlados pelo Poder Judiciário, mesmo que em ambiente extrajudicial fiscalizado.
A decisão, segundo seu voto, representaria uma violação ao contraditório e à isonomia entre as partes envolvidas no processo de recuperação do bem.
A decisão do STF foi recebida com fortes críticas por bancos, financeiras e diversas entidades do setor automotivo, que veem um grande retrocesso nas mudanças.
Para o mercado, a exclusão dos Detrans do processo de execução extrajudicial representa um retorno à burocracia anterior, reintroduzindo a necessidade de cartórios.
Esse cenário de burocracia aumentada eleva os custos operacionais e atrasa significativamente a recuperação dos bens, o que desestimula a oferta de crédito.
O aumento do risco financeiro para os credores tende a encarecer as taxas de financiamento para o consumidor final, tornando o crédito mais restrito.
Setores importantes como a Anfavea (fabricantes), Fenabrave (distribuidores), Fenauto (seminovos), Febraban (bancos), Acrefi e Anef (financeiras), e Abac (associações de bairro) manifestaram apoio ao modelo original da lei.
Enilson Sales, presidente da Fenauto e da Anef, criticou a decisão, afirmando que a suspensão representa um “retrocesso que prejudica o comércio de veículos”.
O presidente destacou que o Marco Legal “criou um ambiente de crédito mais seguro, rápido e barato”, e a decisão do STF anula parte desses benefícios.
Paulo Miguel Jr., vice-presidente da Abla, também classificou a decisão como “um banho de água fria”, que afasta a segurança jurídica pretendida pelo legislador.
A suspensão do papel dos Detrans na execução extrajudicial dos veículos reacende a insegurança jurídica e afeta diretamente toda a cadeia do crédito automotivo.
Embora baseada em argumentos técnicos de competência e constitucionalidade, a decisão desconsidera os efeitos econômicos e sociais da burocratização excessiva que retorna.
No fim, o principal prejudicado pela volta da burocracia é o próprio consumidor, que verá o acesso ao financiamento ficar mais restrito e caro.
O debate, que envolve a modernização jurídica contra os interesses corporativos, especialmente os dos cartórios, que seriam os únicos beneficiados pela decisão, está longe do fim.
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Marco Legal das Garantias – Lei nº 14.711/2023, que alterou o sistema de crédito no Brasil para simplificar e acelerar a recuperação de bens dados como garantia.
Alienação Fiduciária – Instrumento jurídico de garantia em financiamentos no qual o devedor transfere a propriedade do bem (veículo) para o credor até que a dívida seja totalmente quitada.
Execução Extrajudicial – Procedimento de retomada do bem dado em garantia (alienado) que ocorre fora do Poder Judiciário, sendo mais rápido e menos oneroso.
Segurança Jurídica – Certeza e previsibilidade de que as leis e decisões judiciais serão aplicadas de forma consistente, essencial para estimular investimentos e crédito.