Segundo análise do Prof. Dr. Marcelo A. L. Alves (USP), o carro popular não desaparece, mas se redefine: mais caro nominalmente, mais tecnológico e menos acessível para famílias de renda média e baixa.
O artigo destaca que, em países como Estados Unidos e Europa, os preços dos modelos básicos (Nissan Versa, Dacia Sandero) se mantiveram relativamente estáveis quando ajustados pela inflação. No Brasil, porém, a percepção é diferente: em 2014, um Gol 1.0 custava cerca de R$ 28–30 mil, enquanto em 2024 o Kwid Zen foi lançado por R$ 74–76 mil. Em termos de poder de compra, o esforço de renda subiu de 2,3 anos para 3,0 anos, um aumento de até 30%.
A evolução tecnológica também pesa. Recursos como controle de estabilidade, múltiplos airbags e frenagem automática tornaram-se obrigatórios nos modelos de entrada, elevando custos de engenharia e produção. O resultado é um carro básico mais seguro e eficiente, mas distante do conceito de “popular” de décadas atrás.
Outro fator é a mudança no mix de mercado. Em 2014, os hatches compactos dominavam as vendas; em 2024, os SUVs já respondiam por quase 48% dos licenciamentos, enquanto os hatches caíram para cerca de 30%. As montadoras priorizam segmentos de maior margem, reduzindo a oferta de modelos acessíveis.
O crédito também se tornou mais restritivo. As taxas de financiamento subiram de 18% ao ano em 2014 para mais de 28% em 2024, com prazos menores e exigência de entrada acima de 40%. Isso limita o acesso ao carro novo, especialmente para famílias de menor renda.
A transição energética adiciona custos. Mesmo com a queda no preço das baterias, a eletrificação exige investimentos em P&D e infraestrutura, impactando toda a linha de produtos. Além disso, políticas ambientais como as ULEZ (Ultra Low Emission Zones) na Europa aumentam o custo de uso de veículos mais antigos, reforçando a exclusão de consumidores de baixa renda.
No Brasil, a frota envelhece: a idade média já passa de 11 anos, segundo o Sindipeças. O mercado de usados e seminovos ganha força, sustentado por juros altos e menor oferta de 0-km. Alternativas como assinatura, compartilhamento e aluguel crescem entre jovens urbanos.
Na análise do Prof. Marcelo Alves, o carro popular não está em extinção, mas em transição. O desafio é equilibrar tecnologia, custo e acessibilidade. Para isso, políticas públicas deveriam reduzir a carga tributária, estimular inovação nacional e ampliar o acesso ao crédito. Sem medidas estruturais, a mobilidade individual tende a se concentrar em faixas de renda mais altas, enquanto os demais recorrem a soluções menos seguras ou informais.
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PPP (Paridade do Poder de Compra) – Método que ajusta preços internacionais considerando custo de vida relativo, usado para comparações econômicas.
Proconve – Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores, que define normas de emissões no Brasil.
SUV (Sport Utility Vehicle) – Veículo utilitário esportivo, maior e mais caro que hatches, hoje dominante no mercado brasileiro.
