A história ensina: introduzir novas tecnologias no mercado, principalmente as radicais, é antes de tudo um trabalho de paciência.
Um século e meio depois da apresentação do primeiro carro elétrico por um escocês, ainda há pessoas que acham que automóveis a baterias poderao brevemente substituir os veículos com motor de combustao interna. Volta e meia a imprensa noticia o lançamento de um veículo a baterias.
Os motores elétricos têm tido avanços extraordinários. A AC Propulsion americana usa um motor elétrico bravo, de corrente alternada e 200 cv em seu carro esporte tzero. Seu torque, de 22,7 kgfm, é mantido constante de zero a 5 mil rpm, proporcionando um desempenho interessante.
Dois desses motores levaram o carro a estabelecer um novo recorde de velocidade para modelos elétricos: 395 km/h. O Necar IV da Xcellsys, ex-ddb Fuel Cell Engines, da DaimlerChrysler, Ballard e Ford, tem motor calmo de 75 cv – potência de motor 1.4 convencional.
A Honda usa motor AC sincronizado de 65 cv em seus protótipos com células; a GM, um Panasonic de 46 cv no híbrido Precept e a Nissan, um AC da Hitachi de 83 cv e 16 kgfm refrigerado a água em seu FCV.
O motor elétrico leva uma vantagem: nao precisa de caixa de mudanças, bastando uma simples caixa de redução. O carro elétrico a células de combustível é muito mais radical do que o elétrico a baterias.
Tudo começou na década de 60, com a NASA utilizando células alcalinas nos Gemini e Apollo, cujas demandas de energia eram constantes. Um veículo terrestre, porém, precisa de energia variável para se adaptar às variações constantes do tráfego.
A então Daimler-Benz queria células que nao precisassem de baterias de tração e a Ballard Power Systems, desde 1989, vinha desenvolvendo células PEM, de membrana de troca de prótons, capazes de tocar diretamente um motor elétrico.
Em 1993, a Daimler contratou a Ballard para desenvolver uma pilha de células PEM e, quatro anos depois, vendo que o programa de P&D apontava para ótimas possibilidades de êxito, adquiriu 25% dela por US$ 450 milhoes, gerando duas outras companhias, a Ballard Automotive e a ddb Fuel Cell Engines.
Para chefiar o extenso programa de desenvolvimento que tinha pela frente na ddb, veio buscar Ferdinand Panik, diretor de desenvolvimento da Mercedes-Benz do Brasil há sete anos.
Ainda em dezembro daquele ano, a Ford americana juntou-se à dupla germano-canadense, pagando por isso US$ 420 milhoes. A entrada da Ford gerou uma terceira companhia ultra-especializada, a Ecostar Electric Drive Systems, para o desenvolvimento de transmissoes específicas para motores e carros elétricos.
Só para constar: a Chrysler, em 1997, antes de ser absorvida pela Daimler, comprou US$ 4 milhoes de células da Ballard.
A ddb iniciou o desenvolvimento de células automotivas em ônibus e furgoes e, à medida que ia miniaturizando todo o pacote técnico, passou a fazer seus Necar (new car), até chegar ao Necar IV, com tanque de hidrogênio comprimido e capacidade de rodar 280 km com ele cheio.
As próximas geraçoes, das quais o Necar X (nao dez, mas X de experimental) faz parte, mostra todo o sistema de células abaixo do painel de piso com reformador e tanque de metanol, deverao trazer até mesmo um motor elétrico em cada uma das quatro rodas.
No Salao de Detroit do início deste ano, a Ballard mostrou seu módulo Mk 900, substituto do Mk 700, que está nos Necar IV, Ford P2000, Honda FCX VI e Nissan FCV. As Mk 900 conseguem dar partida a 25 graus abaixo de zero, têm densidade energética 30% mais alta, ocupam metade do espaço, sao 30% mais leves e podem utilizar hidrogênio puro ou reformado de metanol – mas nao gasolina, que libera menos hidrogênio e teria de ser refinada sem aromáticos ou enxofre.
O metanol, porém, também nao é uma maravilha, já que apresenta problemas de corrosao, envenenamento e queima com chama invisível. Mais: exige equipamento de aço inox nos tanques, bombas e bicos dos postos de abastecimento, tornando seu uso ainda incerto. Melhor seriam combustíveis sintéticos resultantes dos processos Fischer-Tropsch ou Syntroleum.
Talvez por isso, a DaimlerChrysler e a GM parecem estar voltando a uma preferência pelo uso direto do hidrogênio, o que exigiria desenvolvimento de uma infra-estrutura mundial caríssima de geraçao e distribuiçao do combustível.
A Honda garante que terá um carro a células de combustível em 2003 e a Ford e a DaimlerChrysler, em 2004. Para fornecer células ainda mais avançadas, a Ballard já constrói uma fábrica de quase 10 mil m².
Mas nao sao só as montadoras que trabalham nas células de combustível. A Epyx Corporation, de Nova York, e a Plug Power, de Massachusetts, já mostraram células com reformador para múltiplos combustíveis: gasolina reformulada da Fase II da Califórnia, sem enxofre, gás natural, metanol, M85 (85% metanol, 15% gasolina) e etanol.
A Global Fuel Cell Corporation deverá iniciar a manufatura de sua célula PEM Carbon X que, de acordo com suas declaraçoes, tem duas vezes a densidade energética de qualquer outra célula até hoje apresentada.
No ano passado, as montadoras japonesas investiram mais de meio bilhao de dólares nessa pesquisa. Globalmente, mais de 60 companhias, incluindo sete das dez maiores do mundo, trabalham ativamente em trens de força com células de combustível.