O carro já existe, mas pede uma dose de fôlego extra para se manter no mercado – eis a questão para a montadora!
Alternativa 1: substituir, literalmente, o motor daquele modelo por outro que já equipa um segundo modelo da marca;
Alternativa 2: fazer a recalibração do motor para deixá-lo mais moderno e a gosto do consumidor.
Recentemente o mercado brasileiro assistiu a dois bons exemplos deste episódio. O primeiro proporcionado pela General Motors e o segundo, pela Fiat.
Sem dúvida, a recalibração não significa projetar um novo motor, mas chega bem perto disso em razão do intenso trabalho de engenharia, mais demorado e de custo relativamente elevado.
O caso da GMB ocorreu com o lançamento das linhas 2001 da picape S10 e do utilitário esportivo Blazer, que receberam o motor 2.4 MPFI.
O propulsor desenvolve 128 cv líquidos de potência a apenas 4,8 mil rpm, o que proporcionou uma nova dimensão de desempenho há muito reivindicada pelos consumidores dos modelos.
Com a base do motor CN22E de 2,2 litros e 113 cv, iniciou-se o trabalho no C24SE de 2,4 litros e 128 cv. Seu desenvolvimento começou no final de 1997.
O objetivo era aprimorar as retomadas de velocidade e as acelerações para satisfazer os compradores da S10 e Blazer.
O aumento de cilindrada para exatos 2.405 cm3 foi conseguido mediante o diâmetro maior dos cilindros – de 86 para 87,5 mm – e do aumento do curso dos pistões, que passou de 94,6 para 100 mm.
O bloco do motor é o mesmo da Família II de motores Chevrolet, definido pela distância de 93 mm entre centros de cilindros.
Para aumentar o curso dos pistões, porém, foi necessário produzir um virabrequim novo, fabricado em ferro fundido nodular, o que resultou em um conjunto leve e resistente.
Para o motor C24SE foram desenhados também novos pistões, ultraleves, com altura de compressão de apenas 27,3 mm (antes 30 mm).
Mais importante ainda foram os anéis de segmento ultrafinos, de modo a assegurar maior vedação, menos atrito e, sobretudo, durabilidade superior. Por exemplo, o anel de compressão superior, antes de 1,5 mm de espessura, agora mede apenas 1,2 mm.
A taxa de compressão – que tem relação direta com o rendimento térmico – foi elevada de 9,4:1 no motor 2,2 litros para 9,6:1 no propulsor 2,4 litros para melhor aproveitar a crescente evolução da gasolina brasileira em relação ao número de octanas.
A otimização da taxa de compressão ocorreu por diversos fatores, entre eles o sensor de detonação, o qual destina-se a comandar mudanças no gerenciamento de ignição, atrasando-a, caso ocorra o fenômeno conhecido popularmente por “batida de pino”.
Bloco comunitário entra em cena-Mesmo depois de um intenso e complexo trabalho de mais de três anos e com tantas modificações, não se pode dizer que o motor que equipa hoje a S10 e a Blazer é de fato um “novo” propulsor.
Na verdade, mexeu-se muito na parte inferior e pouco na superior. É necessário deixar bem claro, porém, que a recalibração de um motor está longe de uma “maquiagem”, pois se este fosse o caso com certeza os objetivos não seriam alcançados – e os consumidores destes modelos reivindicariam um propulsor mais “esperto” em acelerações e retomadas de velocidade.
Já o caso da Fiat ocorreu com o lançamento, no mês passado, do Uno Mille equipado com motor Fire. É um dos propulsores mais avançados da linha da montadora mineira, que já equipava o Palio.
Com certeza, por isso mesmo a Fiat optou pela alternativa 1: pesados os prós e os contras, não havia razão para promover uma recalibração no motor Fiasa utilizado pela versão anterior do Uno Mille, se já estava pronta e à mão uma motorização que preenchia todos os requisitos para dar novo fôlego ao modelo que completará 18 anos no mercado brasileiro.
Entretanto, a alternativa de utilizar a mesma motorização em diferentes veículos de uma ou mais marcas remete ao conceito do “motor comunitário” – tema de matéria publicada pelo Diário em março deste ano.
Como foi dito, motor comunitário significa vantagem direta para os fabricantes e também para o bolso do consumidor, porque a idéia é chegar a um produto com custo final mais acessível para maior número de consumidores. Raciocínio que pelo menos na teoria está correto, já que o motor é um dos componentes mais caros de um veículo.
Paralelamente à recalibração de motores ou motores comunitários, o fato é que a indústria automobilística – como qualquer outra indústria, seja qual for o segmento – busca permanentemente a venda de seus produtos.
A demonstração mais recente disso acaba de ser dada pela Peugeot/Citroën e Toyota, divulgada pela imprensa internacional na semana passada.
Agora os dois grupos voltam seus olhos para o carro barato e anunciam para 2005 o lançamento, em conjunto, de um modelo pequeno com preço em torno de 6 mil euros (cerca de R$ 13 mil). Correndo por fora da raia, a Renault também promete um veículo com preço ainda menor – 5 mil euros.
O que existe em comum entre os novos modelos é o conceito de automóvel que abre mão do luxo em troca da conquista de um público consumidor que não quer ou não pode pagar por veículos sofisticados, considerando a utilidade que terão.
No caso da Peugeot/Citroën e Toyota, entra em cena o motor comunitário; no caso da Renault até pode ocorrer uma recalibração, baseada no motor de um modelo da romena Dacia, adquirida pela montadora francesa em 1999.
Aumento de torque e potência-O torque máximo líquido de 21,9 kgfm do motor Chevrolet de 2,4 litros ocorre a 2,6 mil rpm e mostra a sua vocação para gerar força de tração elevada com facilidade.
Para exemplificar, a 1,6 mil rpm o motorista já dispõe de 84% do torque máximo, o que evita a necessidade de usar freqüentemente as marchas mais baixas em utilização normal.
O ganho em torque foi de 14%, contra aumento de cilindrada de 9,4%. A potência subiu aproximadamente na mesma proporção, o que permite constatar o aumento de eficiência do motor.
Diversas soluções de engenharia foram incorporadas. A junta do cabeçote, por exemplo, normalmente produzida em fibras compactadas, passou a ser metálica, projetada especialmente para taxas de compressão elevadas, com perfeita vedação de câmaras de combustão e de arrefecimento.
Aliás, não é por outra razão que este tipo de junta é largamente empregado em motores diesel, reconhecidos por sua elevada taxa de compressão.
Na parte inferior do bloco foi adicionada uma ponte estrutural com o objetivo de aumentar a estabilidade dimensional de componentes, como as capas dos mancais de apoio e do berço do virabrequim, o que resultou em menos vibrações e aspereza.
O carter de óleo passou a ser de alumínio e estrutural, sendo fixado não apenas no motor, mas também na carcaça de transmissão.
Neste caso visou-se, com sucesso, reduzir o ruído e, ao mesmo tempo, acelerar a dissipação de calor do lubrificante.
Por último, a junta do carter passou a ser líquida, um composto químico especial cuja vulcanização dá-se em temperatura ambiente (RTV, room temperature vulcanization). Assim, o preenchimento completo de todas as superfícies do bloco e do carter assegura vedação perfeita por toda a vida útil do veículo.
O desenvolvimento do motor Chevrolet de 2,4 litros compreendeu ainda mais de 6 mil horas com carga e rotação máximas no banco de provas do Laboratório de Motores da fábrica de São Caetano, e o percurso de mais de 400 mil quilômetros por veículo no Campo de Provas da Cruz Alta, em Indaiatuba (SP), antes de ser dada a aprovação final.