Apesar de liderar o ranking mundial de veículos civis blindados, o Brasil ainda não possui normas técnicas obrigatórias para padronizar o processo de blindagem automotiva.
Essa é a conclusão da tese de doutorado do professor e pesquisador Guido Muzio Candido, defendida na Escola Politécnica da USP, que apresenta a inédita metodologia DfA2 — Design para Montagem e Blindagem — como solução para estruturar tecnicamente o setor.
A proposta do DfA2 revisa toda a cadeia de blindagem automotiva, desde o projeto detalhado do veículo até a montagem final, incorporando rastreabilidade de materiais, testes automotivos e simulações balísticas. A metodologia foi criada com base em normas internacionais de segurança balística, critérios de engenharia automotiva e diretrizes de qualidade, sem comprometer a funcionalidade original do veículo nem sua garantia de fábrica.
Segundo o pesquisador, o método permite evitar interferências em sistemas automotivos críticos — como portas, airbags e cintos de segurança — e identifica vulnerabilidades nas áreas protegidas. Ao integrar processos de engenharia com critérios balísticos, a DfA2 foca em segurança, durabilidade e desempenho. “A blindagem eficiente exige conhecimento profundo do projeto original do veículo, o que hoje muitas blindadoras desconhecem por completo”, destaca Guido Muzio.
Em 2024, o Brasil registrou 34.402 veículos blindados civis, segundo o Sicovab (Exército Brasileiro), sendo 84,18% apenas no estado de São Paulo. A maioria desses veículos passa por blindagem após sair da fábrica, em oficinas especializadas que desmontam parcialmente o carro para instalar materiais como aço inoxidável, aramida e vidros balísticos, mantendo a aparência de um carro comum. Os custos variam de R$ 80 mil a R$ 150 mil por veículo.
O estudo aponta que não existem normas específicas ou certificações obrigatórias para o setor, como a ISO/TS 16949, comum na indústria automotiva. Cada empresa segue seus próprios critérios. Isso pode comprometer sistemas vitais do veículo e até invalidar garantias. “É um gargalo crítico de qualidade e segurança”, alerta o pesquisador.
A ausência de regulamentação afeta não só a durabilidade, como a eficiência da proteção. A blindagem envolve reforços em portas, janelas, colunas, suspensão, rodas e até sistemas eletrônicos. Isso aumenta o peso do carro entre 200 kg e 1.000 kg, exigindo soluções técnicas que respeitem o equilíbrio do projeto original e garantam proteção contra projéteis de armas de calibres como o .44 Magnum.
A metodologia foi testada na prática em um veículo real, com apoio de empresas brasileiras do setor e financiamento do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Foram realizados testes físicos e simulações balísticas virtuais. O estudo concluiu que investir em processos bem estruturados reduz os custos de retrabalho, reinspeções e falhas de proteção, oferecendo ao consumidor um sistema mais seguro e confiável.
Além de veículos civis, a DfA2 também pode ser aplicada em viaturas policiais e governamentais. O objetivo é garantir total funcionalidade dos sistemas originais com máxima resistência balística. A tese foi orientada pelo professor Dr. Paulo Carlos Kaminski, do Centro de Engenharia Automotiva da Poli-USP. O conteúdo completo da pesquisa está disponível no site oficial do Centro.
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Blindagem – Processo de reforço estrutural do veículo com materiais resistentes a impactos balísticos, como aço, aramida e vidros especiais.
DfA2 (Design para Montagem e Blindagem) – Metodologia criada para estruturar tecnicamente o processo de blindagem civil, integrando engenharia automotiva e segurança balística.
Rastreabilidade de materiais – Capacidade de monitorar e registrar a origem, uso e aplicação de cada componente utilizado na blindagem.