As altas emissões de gases poluentes pelos veículos automotores não é novidade. Conforme revela o inventário do Ministério do Meio Ambiente (MMA) de 2013, juntos, automóveis, motocicletas e veículos comerciais leves foram responsáveis por 86% das emissões de monóxido de carbono (CO) em 2012 em todo país, sendo que apenas os automóveis responderam por 47% do total deste número.
Por esta perspectiva e ao considerar o trânsito como um local democrático, é crucial o estímulo a soluções criativas e inteligentes de deslocamento, capazes de integrar diferentes usuários e modais e que tratem melhor o meio ambiente.
A Perkons conversou com especialistas no assunto para descobrir os caminhos possíveis para a construção de um cenário mais humano e eficaz de mobilidade urbana.
Uma dessas possibilidades, de acordo com o diretor da Green Mobility, pós-graduado em gestão de cidades pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), Lincoln Paiva, é o compartilhamento de veículos, que ganha forma de duas maneiras: carona e locação.
Qualquer que seja o empenho em evitar congestionamentos é, para ele, louvável, tanto do ponto de vista social, quanto econômico e ambiental.
“Mas estes esforços só fazem sentido se acompanhados do incentivo do poder público. Para reduzir o uso do carro, uma boa cidade oferece condições melhores aos cidadãos, investindo em um conjunto de ações, que vão da tecnologia de tráfego aos sistemas de gerenciamento da demanda de transportes”, contrapõe.
Ainda que desdobre em uma série de benefícios e por conta disso já seja estimulado há décadas, o conceito do compartilhamento de veículos ainda é pouco popular no Brasil.
Paiva explica que o incentivo do governo federal à carona solidária tem registro na década de 1970, quando despontou como um elemento amenizador da crise do petróleo.
Em 2009, a Secretaria do Meio Ambiente do Estado de São Paulo voltou a reunir esforços para estimular a prática como meio de redução de poluentes.
“Ambas propostas não surtiram o efeito desejado por muitos motivos, sendo o fator cultural possivelmente o mais forte”, completa.
As primeiras experiências relacionadas à locação de veículos, por outro lado, estão presentes no país desde 2009. Sobre estas, Paiva é categórico e lança uma pergunta: qual o sentido de possuir um carro que é usado apenas duas vezes ao dia e que gera custo o restante do tempo?
Ele acredita que embora este nicho de locação atenda a uma parcela específica da sociedade – capaz de substituir a tarifa do transporte público por uma mais cara -, sua ressonância pode abalar o segmento automotivo.
“Os apelos emocionais de beleza e rapidez dos automóveis já não atraem o cidadão urbano”, pondera.
Recife: Pioneiro no sistema de compartilhamento de carros elétricos – A partir do exemplo de cidades da China e da Europa, a Secretaria das Cidades do Recife implantou, no final de 2014, o Carro Leve, primeiro sistema de aluguel de carros elétricos do país.
A iniciativa compõe o projeto Porto Leve, cujo propósito é estimular o desenvolvimento de soluções para mobilidade.
Similar ao projeto Porto/Bike, outra iniciativa do estado de Pernambuco, o usuário pode ir até uma das cinco estações, retirar o veículo e devolvê-lo, tudo dentro de certo prazo, que gira em torno de uma hora.
Os pontos de retirada e devolução são distribuídos predominantemente na região central da capital e conferem praticidade à rotina da população, além de aliviar as emissões de gases poluentes no meio ambiente.
Do cadastro ao embarque, o usuário precisa apenas fazer uso do aplicativo do projeto.
Uma alternativa de economia colaborativa no trânsito – Inspirados no conceito de car sharing, popularizado nos Estados Unidos em 2013 durante a crise econômica vivenciada pelo país, três amigos se depararam com uma pergunta: por que não rentabilizar o tempo ocioso dos carros?
Consolidado neste princípio, a Fleety surgiu em Curitiba no final de 2014 para viabilizar o aluguel de carros entre usuários privados por meio de uma plataforma online.
Em Curitiba, porém, além de consistir em uma alternativa mais prática aos usuários que não possuem carro e estimular a redução de emissão de gases poluentes pelos automóveis, a proposta revela um caráter colaborativo. As negociações relativas ao valor e a retirada e devolução do veículo são diretas entre motorista e proprietário.
Já o processo de locação é feito pelo site ou aplicativo, que categoriza os veículos cadastrados e outros detalhes.
“Somos responsáveis pelas questões de segurança na operação. Para o motorista, o Fleety surge como uma oportunidade de ter um carro à mão sem burocracia”, define o Chief Design Officer (CDO) da empresa, Guilherme Nagueva.
A aceitabilidade da ideia na capital paranaense motivou os empreendedores a testarem o sistema também em São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro, este último onde esperam viabilizar a plataforma durante os Jogos Olímpicos.
Conforme explica Nagueva, a escolha das cidades baseou-se na diversidade de porte e comportamento da população e perfil do consumidor de cada município.
“A expectativa é abranger todo território nacional nos próximos meses e expandir para América Latina até o fim do ano”, ressalta.
Na contramão do atual momento econômico vivenciado pelo país, os resultados do sistema têm superado expectativas. “Ao final de 2015, contávamos com mais de 18 mil usuários e cerca de 2.500 carros cadastrados. Só no primeiro trimestre deste ano, a taxa de crescimento foi maior que de todo ano de 2015”, compara Nagueva.
Ele afirma que este modelo de compartilhamento P2P (peer to peer) ainda é escasso no país, sendo maciçamente representado por empresas internacionais como Uber e Airbnb.
“Por outro lado, todos temos o hábito de compartilhar algo entre amigos e família. O que propomos é que essa troca vá além da zona de conforto”, pondera.
Por este raciocínio, o principal desafio da Fleety hoje é convencer as pessoas que car sharing é uma opção inteligente e barata de deslocamento, estimulando a migração daqueles que apreciam a ideia para usuários de fato, processo que esbarra em aspectos culturais. “
Apesar disso, a receptividade tem sido muito boa e as pessoas têm conseguido aplicar o sistema na rotina e se encaixar em um modelo de mobilidade inteligente”, conclui.