Com foco nos temas da mobilidade nacional e a visão de que o biocombustível é importante para o Brasil, o Symposium SAE BRASIL BioFuel concluiu que o tema deve ser abordado globalmente, e que o uso do biocombustível tem grande potencial na descarbonização da mobilidade em âmbito mundial.
O encontro internacional, realizado dias 13 e 14 e julho, trouxe visões convergentes de que o futuro passa pela substituição do combustível fóssil, mas que são vários os caminhos para essa transição.
A cerimônia de abertura teve a participação de Camilo Adas, presidente da SAE BRASIL, de Rashmi Urdhwareshe, presidente da SAE Índia, e Raman Venkatesh, executivo vice-presidente e diretor de operações na SAE International.
“As emissões não respeitam barreiras geográficas”, disse Camilo Adas, presidente da SAE BRASIL na abertura, em que ressaltou a necessidade de um trabalho conjunto para a mitigação do impacto da mobilidade sobre as mudanças climáticas.
Rashmi Urdhwareshe, engenheira automotiva e presidente da SAE Índia, destacou os três principais desafios globais – segurança, meio ambiente e sustentabilidade – e disse que o momento é de aprendermos juntos para vencermos os desafios.
Raman Venkatesh, da SAE International, ressaltou a importância da colaboração internacional para a descarbonização e o fato de que “o biocombustível é a opção líder nos dias de hoje em que o motivo é a sustentabilidade não apenas a performance dos combustíveis”.
Ricardo Abreu, chairperson do simpósio e consultor de Mobilidade Sustentável da Única (União da Indústria de Cana-de-Açúcar), afirmou que os biocombustíveis são mais que uma alternativa viável para o futuro da mobilidade sustentável e que já existe esse entendimento mundial sobre a sua importância para o futuro da mobilidade.
O primeiro painel destacou tecnologias e a relevância de regulamentações para o planejamento da substituição do combustível fóssil por alternativas como biogás, hidrogênio verde, etanol e biodiesel verde (HVO).
Eugenio Coelho, diretor da AVL América do Sul abriu as apresentações e disse que o CO2 é o maior desafio para a mobilidade do futuro,o que requer produção de energia renovável.
Destacou a liderança do Brasil em matriz energética renovável para o transporte e disse que o País deve seguir o padrão atual para desenvolver mais soluções.
Rashmi Urdhwareshe, presidente da SAE Índia, discorreu sobre a proposta de ampliação da quantidade de etanol na gasolina para E20 nos próximos 10 anos, que faz parte do programa indiano para o cumprimento das metas de descarbonização global.
A estratégia inclui o biodiesel para uso na frota de pesados e urbana, que demandará o aumento rápido da produção local de etanol por meio de instalação de usinas locais, e também tecnologias para o plantio da cana.
A eletrificação está no horizonte, mas segundo a engenheira, segue mais devagar que o esperado.
A Índia é o 3º maior importador de petróleo bruto e o diesel participa com 72% do mercado local em caminhões, ônibus, automóveis de passageiros e tratores agrícolas.
Na visão norte-americana trazida por Mark Shmorhum, gerente de tecnologia do Departamento de Energia (DOE) dos EUA, os pesados e a aviação serão a destinação para os biocombustíveis.
Para os veículos leves, SUVs e picapes, a hibridização e elétricos são caminhos.
A mistura de E10 está disponível e pode ser ampliada nos combustíveis no país inteiro segundo Mark, que deu foco a estratégias de transporte sustentável.
Os EUA são os maiores consumidores de etanol do mundo, hoje adicionado à razão de 10% em toda a gasolina americana.
Para Mark, o que vai dominar o futuro são os sistemas de geração de energia mais eficientes, como a energia solar e outras energias limpas, a fim de permitir a descarbonização do transporte, setor que gera a maior parte do CO2 nos EUA.
Monica Saraiva Panik, mentora de Hidrogênio da SAE BRASIL, falou sobre a transformação da energia a partir do reconhecimento internacional de que para atingir o acordo de Paris é necessário descarbonizar em grande escala o sistema de geração de energia.
Destacou que o hidrogênio se insere no contexto como pilar da mudança energética e mostrou que a demanda de hidrogênio deve aumentar para 78 exajoules em todo mundo até 2050.
Mônica observou que hoje a maior parte do hidrogênio ainda é obtida pela reforma do metano a vapor no gás natural e, por isso, é considerado combustível fóssil.
No entanto, o hidrogênio verde produzido a partir da eletrólise renovável deve se tornar mais barato e mais amplamente disponível no futuro, o que o tornaria importante fonte de energia e combustível de transporte com emissão zero.
Ela apontou ainda a possibilidade de o Brasil gerar energia verde limpa e fornecer para locais sem condições de produção.
No painel sobre descarbonização em áreas urbanas o foco foram os modais, soluções nacionais com clara tendência à bioeletrificação e a hibridização a etanol em programas que apontam para grandes avanços nessa linha em poucos anos.
Roger Guilherme, da Volkswagen do Brasil, mostrou a visão da empresa de que o biocombustível é o caminho para descarbonização e que as tecnologias precisam ser avaliadas no ciclo de vida do produto.
Ele anunciou a decisão do Grupo Volkswagen do estabelecimento no Brasil de um centro de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para estudo de biocombustíveis e de tecnologias de powertrain de alta eficiência. A unidade será liderada pela Volkswagen América Latina.
João Irineu Medeiros, diretor regulatório da Stellantis América do Sul, falou dos desafios da rota tecnológica brasileira no contexto global.
Destacou que a matriz energética brasileira com 50% de energia renovável é privilegiada, e que as fontes devem ser observadas e analisadas para o fechamento de uma rota tecnológica nacional.
Evidenciou a importância da energia elétrica e da biomassa no contexto e apontou que a busca por fontes renováveis para transporte local deve considerar prioritariamente as disponíveis no País.
Para Medeiros, outro aspecto a considerar é o ciclo de vida dos veículos do ponto de vista da obtenção e processamento da matéria-prima para a produção, durante o uso e no sucateamento.
Ele apontou soluções híbridas de biocombustíveis e eletrificação como alternativa para atendimento dos desafios do mercado em reduzir gases na atmosfera.
Marcelo Gonçalves, engenheiro de Produto da Embraer, deu foco à importância do combustível sustentável verde na aviação (Sustenable Aviation Fuel – SAF).
O setor estabeleceu metas globais de redução de 50% de CO2 para 2050 pelo aumento da eficiência do combustível à razão de 1,5% ao ano, e da estabilização de emissões por crescimento neutro em carbono, iniciada em 2020.
Marcelo disse que políticas públicas fortes são indispensáveis para o alcance dessa meta e apontou que a certificação de sustentabilidade deve ser obrigatória.
Defendeu o desenvolvimento de novos processos para o SAF além de políticas de longo prazo para maior disponibilidade e mecanismos de financiamento para atração de novos entrantes.
Na análise da descarbonização em veículos urbanos no transporte público, Renato Florence, gerente de Engenharia de Planejamento e Desenvolvimento da Marcopolo, focou em ônibus e destacou o grande potencial no uso de combustíveis alternativos, como hidrogênio, para veículos de longa distância.
Disse que a aposta da Marcopolo é de um modelo de transição de mobilidade baseado no convívio entre os diferentes produtos e técnicas, com soluções adequadas à aplicação em diferentes regiões.
Entre os desafios, ressaltou que as tendências globais precisam atender às necessidades locais e suas particularidades.
Chamou a atenção para o acolhimento da visão do operador de transporte, cuja adesão é fundamental para o sucesso na aplicação de novas tecnologias, e afirmou que o apoio dos governos em todas as esferas é indispensável. “Essa conta tem de fechar”, concluiu.
No segundo dia do simpósio o painel internacional sobre demanda de biocombustíveis nos setores agro e de carga pesada começou com Fabio Nicora, gerente de Engenharia do Produto da CNHi Brasil responsável por biocombustíveis e trações alternativas, que abordou o agronegócio e sustentabilidade.
“O biogás é o combustível do futuro”, disse. Nicora destacou as qualidades do biometano combustível, regulamentado pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) para motores ou adiçao na gasolina. O engenheiro destacou que o Brasil tem grande potencial de produção do biometano, que poderia substituir o diesel na redução de emissões de CO2 a 100%, de material particulado a 98% e de NOx em 48%. Segundo Nicora, 98% do potencial brasileiro de produção de biogás e biometano não é aproveitado.
André Boehman, professor no Laboratório Automotivo do Departamento de Engenharia Mecânica Universidade de Michigan (EUA), apresentou panorama norte-americano de biocombustíveis para veículos pesados.
Destacou que a solução de biodiesel a 20% na mistura, já regulamentada no país, trouxe impacto positivo importante nos transportes, mas que melhorias de eficiência não serão suficientes para o cumprimento das metas de redução de CO2 e de Gases de Efeito Estufa (GEEs).
“Precisamos de combustíveis de baixo carbono”, afirmou.
Segundo Boehman, os EUA têm interesse na descarbonização rápida para substituir o combustível fóssil com os combustíveis disponíveis no país.
Alertou que essa trilha deve passar pelo aumento em opções de matéria-prima, regulamentação mais rígida de emissões com combustíveis de queima mais limpa e otimização da calibração de motores para aproveitamento máximo das propriedades do combustível.
Alexandre Parker, relações públicas da Volvo, falou sobre diesel verde (HVO), biodiesel, biogás e eletrificação, tendências inevitáveis para a empresa e que se incluem no pacote da linha de trabalho dos biocombustíveis.
A Volvo deu início em 2021 à linha de caminhões pesados elétricos, cuja demanda cresce na Europa, e tem por objetivo oferecer veículos 100% fóssil free a partir de 2040. Parker disse que a empresa acredita na demanda, ainda que tímida, de eletrificação de pesados no Brasil e região.
Na visão Volvo, o motor a combustão diesel continuará presente, mas no modo fóssil free, e não como é hoje. Sobre alternativas viáveis, Parker apontou o biogás, HVO e o diesel sintético.
“Existem possibilidades crescendo, mas essa é nossa meta e o mercado é que vai dizer qual será a melhor”, apontou.
Pradheepram Ottikkutti, mestre em motores pesados na Cummins Índia, apresentou perspectiva do país em biocombustíveis.
Destacou o protagonismo do bioetanol em locais como os EUA, maior produtor, com misturas flexfuel de E10 a E85, estratégia que garante mais segurança energética e pode reduzir importações.
Citou o Brasil, segundo maior produtor mundial de etanol de cana-de-açúcar e único a utilizar E100, e disse que o uso desse combustível na Índia se restringe pela falta de autossuficiência na produção.
Pietro Mendes, diretor do Ministério de Minas e Energia (MME) responsável pelo programa Combustível do Futuro, falou de ações integrativas de políticas públicas para a indústria automotiva e os setores de combustíveis e biocombustíveis.
A diretriz do MME é integrar as metas de descarbonização e harmonizar o conceito de geração de energia do poço à roda, considerando o ciclo de vida do produto, nos seis programas brasileiros relacionados – Renova Bio, Biodiesel, Proconve, Compet, Rotulagem Energética e Rota 2030.
Temas como a avaliação de limitações ao uso etanol nas próximas etapas do Proconve estão na pauta de MME.
Painel de debate encerrou a programação com especialistas do setor automotivo e de combustíveis.
Marcio Alfonso, diretor executivo da CAOA, abordou o impacto das tecnologias sobre veículos leves e a importância para o futuro do Brasil; Nilton Shiraiwa, da Mercedes-Benz do Brasil, discorreu sobre veículos pesados; Erasmo Batistella, CEO da BS Bios, destacou a necessidade de um plano para transição do diesel fóssil ao diesel verde e da hidrogenação para que o biodiesel se torne combustível drop in 100% misturável com diesel, sem impacto sobre o funcionamento do motor; Luciano Rodrigues trouxe a visão da Única e dos investimentos em P&D para soluções com etanol, e Alessandro Gardemann, da Associação Brasileira do Biogás, falou da importância do biogás para a transição energética do combustível fóssil.
Ricardo Abreu, chairperson do encontro, foi o moderador.