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A difícil arte de desenhar automóveis

Artigo por João Marcos O. Ramos – Designer com mais de 30 anos de experiência na indústria automobilística nacional e internacional.

A profissão de designer automotivo é sujeita a muitas críticas, mais que qualquer outra ligada ao desenvolvimento de produtos em geral. As pessoas têm uma relação de amor e ódio com automóveis, e claro, todo mundo se sente à vontade de opinar sobre o que é desenhado.

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Desde que me formei e comecei minha carreira como Designer automotivo, sempre ouvi ideias e sugestões quanto ao design dos carros.

As redes sociais deram mais amplitude a isto e o que ficava restrito aos círculos de amigos, hoje tem uma projeção muito maior.

Mesmo dentro das empresas, é uma atividade onde todas as áreas não têm pudor algum em dar “pitacos” e todos dizem o que acham como especialistas na atividade.
Nós designers nunca vamos opinar sobre motores, ou se a suspensão poderia ser assim ou assado, ou se os freios têm que ser mais eficientes.

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Mas como gosto é algo muito pessoal, é natural as pessoas se sentirem a vontade para emitir opiniões.

Desenhando sonhos – O processo todo de criação e desenvolvimento do design de um veículo completo, do primeiro esboço a liberação final de superfície 3D, pode demorar de 1 a 1,5 anos.

Quando o designer recebe a incumbência de elaborar propostas para algum veículo – com muita sorte, para um carro inteiro – ele tem toda a liberdade de propor o que quiser.

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Eu falo “com muita sorte” porque na indústria muitas vezes há designers que passam a vida toda desenhando apenas partes, acessórios ou uma nova frente/traseira. Uma pequena parcela dos profissionais, aqueles considerados mais criativos ou “estrelas”, vai ter a sorte de propor o estilo do exterior de um carro como um todo.

Falo também do Design de exterior, pois é uma área que dá muito mais visibilidade para o designer enquanto profissional, mais do que desenhar interiores, que apesar de dar menos prestigio são muito mais complexos.

Bem, seja um SUV, uma pick up, um hatch ou um caminhão, uma vez informado o tipo de carroceria, o designer começa a colocar suas ideias numa tela de computador de forma espontânea e livre, sem amarras.

Com certeza esta é a fase mais prazerosa para o profissional, pois ele pode liberar toda sua criatividade e não vai haver ninguém impondo restrições. É uma pena, mas dentro de todo processo de desenvolvimento de um veículo, esta é a fase mais curta.

Uma vez definido o tema, seja ele o aprovado pela diretoria ou mesmo modificado pelas diversas clínicas junto a clientes, a vida do designer fica mais complicada.

Daí para frente ele começa a ter que lidar com custos, prazos e viabilidade técnica.

A realidade – Infelizmente não há solução técnica ou as vezes nem mesmo física para tudo que um designer propõe, mesmo que por milagre o custo seja aprovado.

Volto então a alguns comentários que sempre ouço: “ah, mas todos os carros hoje em dia são iguais”.

Com relação a isto é importante levantar alguns pontos:Desde que os carros começaram a ser produzidos em larga escala, em mercados com produtos mais globalizados, como o americano e o europeu, e hoje em dia o brasileiro (com raras exceções), eles sempre seguiram tendências de design. Sim, os carros como qualquer outro produto também seguem uma moda, e isso invariavelmente os fizeram de certa forma parecidos em seu formato. Dos antigos “calhambeques” até as SUVs de hoje, há uma tendência de design que todas as montadoras seguem para conquistar seus clientes.

Há vários tipos de carrocerias diferentes: uma pick-up tem por definição uma forma específica, com proporções comuns em qualquer marca. Então o designer tem que criar elementos para que em todas as vistas e ângulos haja uma diferenciação para o concorrente da mesma categoria. Assim, vale para um SUV, um sedã, um hatch, uma perua, etc.

Muitas vezes a referência para o consumidor brasileiro é de um passado com carros de diferentes marcas e diferentes períodos do design convivendo nas ruas. Tivemos juntos ao mesmo tempo, por muitos anos, o VW Fusca (desenhado na década de 1930), o Ford Galaxie (início dos anos 1960 – escola americana), Chevrolet Opala (meados dos anos 1960 – escola Europeia), 1º VW Gol e seus derivados (final dos anos 1970), e por aí vai. Nosso mercado era uma “salada” de escolas e períodos diferentes de design que, além da variação de formatos de carroceria, contavam com muita variedade de cores (moda na época).

Há a questão da disponibilidade de tecnologias, que influencia diretamente o design dos carros. Para-brisas colados, para-choques de plástico e pintados da cor da carroceria, faróis transparentes, lanternas transparentes, soluções de iluminação, eliminação de calhas, eliminação de chassis nos veículos de passeio, eliminação dos filtros de ar altos, etc. A lista é enorme e impacta diretamente do design dos carros.

Alguns que chegam ao mercado realmente criam um grande choque, para o bem ou para o mal.

Mas é importante imaginar que, da tela do computador a linha de montagem, uma proposta não só sofreu diversas intervenções, sejam por questões técnicas ou de custo, mas muitas vezes por direcional de marketing ou de altos executivos que geralmente entendem pouco de design automotivo. A proposta selecionada corre então toda uma cadeia de aprovações antes de chegar a produção.

Tudo isto, no entanto, não exime de crítica alguns veículos que são praticamente cópias de outros em seus detalhes ou são efetivamente mal desenhados. Clara falta de criatividade, soluções ruins de design, de acabamento ou mesmo superfícies mal executadas podem afetar muito a percepção de qualidade de um veículo.

A elaboração do design de um carro é muito complexa, e uma análise rasa não faz jus a este trabalho que envolve não somente os designers, mas profissionais de diversas áreas e fornecedores.

Claro, o resultado é o que vai agradar ou não. Como um grande diretor que eu tive, vietnamita, dizia: nada vem como uma etiqueta explicando o porquê de ter ficado ruim ou aquém das expectativas. Como uma obra de arte, design não se explica.

O importante para o designer é sempre fazer um trabalho de qualidade e apresentar propostas que ele mesmo como consumidor compraria. Ter um mínimo de conhecimento técnico para poder acompanhar o desenvolvimento daquilo que criou também é muito importante. Caso contrário, a lei de Murphy manda: a pior proposta apresentada será a escolhida e desenvolvida.

E sobretudo ter muita paciência para ouvir críticas ao seu trabalho, nem sempre construtivas.

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