A transição energética global deve ser guiada por uma abordagem flexível que reconheça as particularidades de cada região. É o que defende a SAE BRASIL, entidade que argumenta que a decisão da União Europeia de focar apenas em veículos “emissão zero” ignora a eficácia de tecnologias como os biocombustíveis, nos quais o Brasil é líder mundial. A entidade destaca que o país tem uma matriz energética limpa e soluções consolidadas, que podem e devem ser parte legítima do esforço global para a descarbonização.
A decisão da União Europeia de restringir o registro de novos veículos a partir de 2035 apenas a modelos considerados de “emissão zero” tem gerado um intenso debate. Esse movimento regulatório tem provocado reações importantes dentro da própria indústria automotiva europeia, que questiona a imposição de uma única tecnologia para a descarbonização.
Recentemente, a ACEA (Associação dos Fabricantes Europeus de Automóveis) e a CLEPA (Associação Europeia de Fornecedores Automotivos) solicitaram à Comissão Europeia uma revisão das metas de CO₂. As entidades europeias argumentam pela necessidade de maior flexibilidade regulatória, defendendo a inclusão de tecnologias como os híbridos plug-in, os motores a combustão altamente eficientes, o hidrogênio e os combustíveis descarbonizados como caminhos válidos para a transição energética.
Esse debate global é especialmente relevante para o Brasil. O país abriga uma das maiores concentrações de fábricas automotivas do mundo, com a presença de montadoras de origem europeia, americana e asiática. Essa presença global faz com que o Brasil se torne um elo estratégico na cadeia mundial da mobilidade, e reforça a importância de políticas que valorizem as soluções desenvolvidas localmente, em vez de seguir cegamente regulamentações de outros mercados.
Ao longo das últimas décadas, o Brasil construiu um modelo próprio e bem-sucedido de descarbonização baseado em biocombustíveis, como o etanol e o biodiesel. O etanol, por exemplo, possui um ciclo de carbono fechado, o que significa que o CO₂ emitido em sua queima é compensado pela absorção de carbono durante o crescimento da cana-de-açúcar. Quando comparada à matriz elétrica europeia, a pegada ambiental dos carros a etanol é inferior à dos veículos elétricos, que dependem da geração de eletricidade, muitas vezes proveniente de fontes fósseis.
Além do etanol, o Brasil se destaca com o desenvolvimento de tecnologias como o sistema flex-fuel e os veículos híbridos adaptados para a realidade nacional. Essas tecnologias demonstram que é possível avançar com eficiência e sustentabilidade sem a necessidade de abandonar a diversidade de soluções energéticas. A pluralidade de caminhos é, portanto, uma força, e não um obstáculo, para a descarbonização.
A SAE BRASIL, uma entidade independente, propõe que a transição energética seja guiada por critérios técnicos com escala global, mas com flexibilidade regional. A entidade argumenta que as soluções de descarbonização devem ser baseadas nas características econômicas, ambientais e produtivas de cada país ou região. Essa abordagem reconhece que não existe uma solução única que sirva para todos, e que a diversidade tecnológica deve ser incentivada para atingir os objetivos climáticos.
Camilo Adas, conselheiro de Tecnologia e Transição Energética da SAE BRASIL, reforça essa visão, destacando que “a transição energética precisa ser tão global quanto possível, mas tão regional quanto necessária para ser viável do ponto de vista ambiental, econômico e social”. Essa visão reconhece que a viabilidade de uma tecnologia não se limita a sua eficiência técnica, mas também à sua capacidade de se integrar aos ecossistemas energéticos e industriais locais.
A manifestação da indústria europeia reforça o argumento de que não há um único caminho para a descarbonização. O Brasil, com sua matriz energética limpa e tecnologias consolidadas, tem muito a contribuir para a discussão global, desde que suas soluções sejam compreendidas e valorizadas dentro do contexto internacional. A SAE BRASIL reafirma seu compromisso com uma transição energética que seja tecnicamente fundamentada, adaptada às realidades locais e alinhada com os objetivos climáticos internacionais.
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Emissão zero – Termo utilizado para classificar veículos que não emitem poluentes diretamente do seu sistema de escapamento, como os automóveis totalmente elétricos.
Biocombustíveis – Combustíveis produzidos a partir de biomassa, como a cana-de-açúcar (etanol) e o óleo vegetal (biodiesel), que têm uma pegada de carbono reduzida em comparação com os combustíveis fósseis.
Ciclo de carbono fechado – Processo em que o gás carbônico liberado pela queima de um combustível é balanceado pela quantidade de CO₂ absorvida pela planta durante seu crescimento, resultando em um impacto neutro ou negativo no balanço total de carbono da atmosfera.
Flex-fuel – Tecnologia automotiva que permite que um veículo utilize tanto gasolina quanto etanol, ou qualquer proporção da mistura entre os dois combustíveis, em um mesmo tanque.