A proposta do governo federal que permite obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) sem a obrigatoriedade das autoescolas tem gerado grande debate. A medida, autorizada em outubro pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ainda está em fase de consulta pública de 30 dias, e promete reduzir o custo da habilitação em até 80%, além de acelerar o processo de formação de condutores.
Atualmente, o candidato precisa cursar 45 horas teóricas e 20 horas práticas para obter a CNH. Com o novo modelo, o aluno poderá escolher quantas aulas fará, mantendo apenas a obrigatoriedade dos exames teórico e prático. O objetivo, segundo o governo, é ampliar o acesso à carteira de motorista, especialmente para quem não tem condições financeiras de pagar por todo o processo tradicional.
Outra mudança proposta é a possibilidade de contratar instrutores credenciados pelo Detran, sem necessidade de vínculo com autoescolas. No entanto, o modelo levanta dúvidas quanto à qualidade da formação dos novos motoristas e aos possíveis impactos na segurança viária.
A questão central que surge é: menos aulas podem resultar em mais infrações e acidentes?
Somente em 2024, o Brasil registrou mais de 75 milhões de multas de trânsito, de acordo com dados da Secretaria Nacional de Trânsito (Senatran). Para Laura Diniz, especialista em Direito de Trânsito e diretora de operações da SÓ Multas, a proposta precisa ser analisada com cautela.
“A ideia é de extrema importância para garantir o acesso à habilitação para quem não pode custear o processo. Porém, é necessário assegurar que o aluno receba instruções adequadas sobre o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Sem isso, aumentam as chances de desconhecimento das leis e, consequentemente, das infrações”, explica.
Segundo levantamento da startup Zapay, o número de multas por excesso de velocidade e uso do celular ao volante cresceu, respectivamente, 32% e 33% em 2024 em comparação ao ano anterior. Para Diniz, isso mostra que o aprendizado prático e técnico é fundamental para reduzir infrações e acidentes.
“O convívio real com o trânsito cotidiano é indispensável. Um motorista sem aprimoramento técnico tende a repetir vícios de direção e a desconhecer regras básicas, o que pode gerar infrações graves, mesmo em situações simples”, alerta.
A especialista também observa que, embora a medida busque democratizar o acesso à CNH, pode levar mais motoristas às ruas com menor preparo, o que aumentaria o risco de acidentes e autuações.
O Ministério dos Transportes estima que a proposta entre em vigor até o fim deste ano. Em menos de uma semana, a consulta pública já recebeu mais de 10 mil contribuições, tornando-se o segundo projeto do Executivo com maior número de participações populares — um indicativo do forte engajamento da sociedade com o tema.
Diniz reforça que o debate é positivo, pois traz à tona a necessidade de maior acessibilidade e de segurança no trânsito. Segundo ela, é essencial que o acesso facilitado à CNH caminhe junto com a qualificação dos condutores.
“Menos aulas não pode significar menos preparo. É fundamental que a formação garanta o aprendizado e a segurança de todos. O acesso à carteira de motorista é um direito, mas precisa vir acompanhado de responsabilidade”, afirma.
A discussão sobre a flexibilização das autoescolas ainda deve se estender nos próximos meses, à medida que a proposta evolui. Caso aprovada, o Brasil poderá viver uma transformação estrutural na forma de formação de condutores, o que exigirá acompanhamento rigoroso dos órgãos de trânsito para evitar retrocessos na segurança viária.
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CTB (Código de Trânsito Brasileiro) – Conjunto de leis e normas que regulamentam o tráfego de veículos e o comportamento dos condutores no país.
Instrutor credenciado – Profissional autorizado pelo Detran a ministrar aulas práticas de direção, podendo atuar de forma independente.
Consulta pública – Processo de participação popular em que cidadãos podem opinar e sugerir alterações em projetos de lei ou medidas do governo.
