Enquanto a Europa perde competitividade ao focar exclusivamente na eletrificação, o Brasil encontra uma fórmula de sucesso com o Programa Mover e a neutralidade tecnológica. Mas como essa estratégia brasileira se traduz em resultados práticos, e por que o modelo nacional pode inspirar a indústria global a longo prazo?
A tese é defendida por Matias Giannini, CEO da Horse Powertrain, em uma análise dos desafios enfrentados pela União Europeia e as soluções bem-sucedidas adotadas pelo mercado brasileiro.
Um relatório de setembro de 2024 do ex-presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, apresentado à Comissão Europeia, alertou sobre a necessidade de investir cerca de €800 bilhões por ano para manter a competitividade da Europa, com a indústria automotiva no topo das prioridades. O documento aponta que a participação da Europa na produção global de veículos, que já caiu de 31% em 2000 para 15% em 2024, pode atingir apenas 12% até 2027, se não houver uma política industrial robusta.
Segundo Giannini, o problema central é que a Europa aplicou uma política climática sem uma política industrial. “É exatamente o oposto do que o Brasil vem fazendo”, explica o executivo. A solução brasileira, o Mover (Programa Mobilidade Verde e Inovação), sancionado há um ano, estabeleceu um marco regulatório claro e de longo prazo com incentivos fiscais, estímulo à pesquisa e desenvolvimento (P&D) e uma metodologia avançada de contabilidade de carbono, baseada na avaliação do ciclo de vida dos veículos.
Essa estratégia tem dado resultados expressivos. Dados da Anfavea mostram que a produção de veículos no Brasil cresceu 6% nos primeiros sete meses do ano, totalizando 1,4 milhão de unidades. Em julho, o Brasil produziu 238 mil unidades, o melhor resultado mensal do ano. A Anfavea projeta um acréscimo de 5% nas vendas de 2025, o que reforça o otimismo do mercado.
O Brasil também se diferencia pela política de neutralidade tecnológica, que não privilegia uma única solução de propulsão. Enquanto a Europa aposta quase exclusivamente na eletrificação, o Brasil incentiva múltiplas tecnologias de baixo carbono, como biocombustíveis, híbridos flex e elétricos, aproveitando a sua matriz energética limpa. Essa abordagem já se reflete nas vendas de eletrificados no país, que subiram de 6,7% para 10,9% em um ano, com a presença cada vez maior de veículos híbridos brasileiros.
A lição que o Brasil oferece, segundo Giannini, é que é possível combinar descarbonização com desenvolvimento industrial, geração de empregos e atração de investimentos. Essa abordagem, que se baseia na análise completa do ciclo de vida dos veículos (LCA), é tão eficiente que o relatório Draghi recomenda que a Europa adote essa mesma metodologia até 2025. O modelo brasileiro, com sua política industrial coerente e incentivo a tecnologias diversas, pode, de fato, inspirar a Europa a reverter sua crise de competitividade.
Mecânica Online® – Mecânica do jeito que você entende
Horse Powertrain – Empresa global focada em soluções de propulsão híbrida e a combustão de baixa emissão. A empresa é uma joint-venture entre a Geely e a Renault, desenvolvendo e produzindo motores e transmissões para diversas montadoras no mercado automotivo.
Programa Mover (Mobilidade Verde e Inovação) – É o principal programa do governo federal brasileiro para o setor automotivo. O Mover substituiu o Rota 2030, oferecendo incentivos fiscais e créditos de carbono para empresas que investem em tecnologias mais sustentáveis e inovadoras.
Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores) – Entidade que representa as montadoras de automóveis, comerciais leves, caminhões, ônibus e máquinas agrícolas e rodoviárias instaladas no Brasil. A Anfavea é responsável por divulgar dados e estatísticas do setor.
Neutralidade Tecnológica – Conceito de política industrial que não privilegia uma única tecnologia (como a eletrificação total), mas sim incentiva o uso de diversas soluções para a redução de emissões de carbono, como biocombustíveis, híbridos, motores a combustão mais eficientes e veículos elétricos.
Análise de Ciclo de Vida (LCA) – Metodologia que avalia o impacto ambiental de um produto (neste caso, o veículo) desde a sua fabricação e uso até o descarte. A LCA considera as emissões de carbono em todas as etapas, incluindo a produção da energia usada para mover o veículo (seja eletricidade, etanol ou gasolina).