Até que ponto a idade avançada pode ser um fator de risco no trânsito? Para o médico José Heverardo da Costa Montal, especialista da Abramet (Associação Brasileira de Acidentes e Medicina de Tráfego), não há uma idade específica para as pessoas “pendurarem” a carteira de habilitação. “Isso depende da condição clínica.”
Montal não concorda com uma idade limite para as pessoas poderem dirigir, já que o carro no Brasil ainda é a melhor forma de locomação para quem tem idade avançada. “Infelizmente o transporte público não oferece as mínimas condições de segurança e conforto para os idosos”, acredita o médico.
De acordo com a Abramet, as pessoas de mais de 65 anos estão entre as que mais se envolvem em acidentes, proporcionalmente, perdendo apenas para os jovens (entre 18 e 24 anos). Outro dado curioso é que, nos acidentes com participação de motoristas idosos, geralmente estão envolvidos mais de dois veículos. A explicação da Abramet é que esses motoristas têm maior possibilidade de criar confusões generalizadas no trânsito, por falhas de avaliação ou concentração.
Desatenção – Segundo Montal, é muito comum o idoso se envolver em acidentes nas conversões de avenidas movimentadas, por exemplo, quando é preciso ter a atenção voltada para várias direções. “Com a idade, perde-se a capacidade de se concentrar em duas coisas ao mesmo tempo.”
A idade pode trazer limitações físicas e mentais aos motoristas. Quando o problema é físico (como deficiências de movimento, visuais ou auditivas) é mais fácil o próprio idoso se conscientizar de que não pode dirigir como antes. Mas a questão complica quando os problemas envolvem perda de atenção, concentração e avaliação, geralmente causados por doenças senis como o mal de Alzheimer. “Em casos como esses o idoso não percebe a perda de habilidades essenciais à condução do veículo”, afirma Montal. “Nesse momento a família precisa intervir, mas de uma maneira que não prejudique a auto-estima da pessoa.”
Montal recomenda que a família temerosa pela segurança de um idoso ao volante recorra a especialistas, como geriatras e médicos de tráfego. Eles poderão conduzir de melhor forma o diálogo com o idoso, convencendo-o a deixar de dirigir, se for o caso. Ou, quando o medo da família for infundado (algo comum), poderão tranqüilizar a família e liberar o idoso para dirigir.
Uma boa solução para o problema, de acordo com Montal, é a habilitação restritiva, adotada em países como o Canadá e em alguns Estados norte-americanos. Após uma avaliação médica o idoso pode ser liberado para dirigir sem restrições ou, dependendo do caso, sob condições, como não utilizar estradas, não dirigir desacompanhado ou não conduzir veículos à noite.
No Brasil ainda não existe nenhuma exigência mais rigorosa para motoristas idosos. Apenas o período de exame médico passa a ser menor (a cada três anos para pessoas acima de 65 anos – antes disso, o exame é realizado a cada cinco anos). O único avanço recente foi uma resolução do Código de Trânsito Brasileiro, que exige que os examinadores tenham um curso específico para essa função, padronizando o rigor dos exames.
Saudade – O motorista aposentado Sebastião Vieira Sandes, de 82 anos, sente muito a falta de dirigir. Ele foi caminhoneiro por 30 anos e taxista por 13. “Há dois anos tive um problema de catarata e deixei de dirigir”, lamenta-se. Mas como já operou a vista e julga enxergar bem novamente, Sandes sonha em compar um “carrinho usado para visitar os filhos e fazer compras perto de casa”, mesmo sabendo que poderá enfrentar oposição na família.
Já a funcionária federal aposentada Maria Luiza Lói, de 84 anos, não abre mão de dirigir. Moradora do Guarujá, ela não teme subir a serra para visitar a família que mora na capital. “Uso o carro todos os dias e, em 54 anos dirigindo, nunca me envolvi em acidentes”, garante ela, que no começo do mês foi aprovada mais uma vez no exame médico do Detran.