Destaque no Salão do Automóvel de São Paulo, a blindagem começa a deixar de ser artigo de luxo para entrar no campo da necessidade.
Branko Juran*
Desde 1999, acompanho, no Brasil, a implantação e o desenvolvimento de empresa blindadora que, com tecnologia alemã, projeta, desenvolve e produz blindagens para as fábricas de automóveis. Na Alemanha, por mais de 25 anos e no México, na década passada, gerenciei tais processos. Porém, diferenças gritantes entre os mercados de blindagem dos três países chamaram-me a atenção e devo logo explicitá-las, sob pena de que ocorra, com a blindagem, o que o brilhante humorista Jô Soares afirmou sobre a Máfia, anos atrás: “Não tragam a Máfia para o Brasil, porque avacalham”.
Pouco sei sobre marketing. No entanto, com este artigo pretendo contribuir para desfazer alguns mitos sobre blindagem. O fato é que alguns atentam contra a vida; outros, no mínimo, contra a inteligência do consumidor.
Em primeiro lugar, noto que há uma grande preocupação dos consumidores brasileiros com o acabamento da blindagem. E, pelo que tenho observado, o acabamento é, de modo geral, muito bom.
É mesmo superior, na média, ao que existe na América do Norte e Europa. Surpreendeu-me, também, a grande diversidade dos modelos de veículos para os quais existe demanda de blindagem. E, por último – e o que mais me intriga –, é a subordinação da decisão da compra ao critério de menor preço, e não ao de maior proteção oferecida, como seria mais racional.
Vejamos algumas promessas que são feitas por aqui, sem qualquer compromisso com a responsabilidade. Já ouvi, por exemplo, que um sedan com blindagem que lhe acrescentaria apenas 100Kg no peso tem a cabine integralmente protegida e resiste a potentes armas de mão, como pistolas 9mm ou revólveres Magnum 44.
A verdade é que apenas os vidros blindados de um Omega, por exemplo, pesam 164Kg (21 mm). É impossível blindar a cabine de um sedan com acréscimo de peso inferior a 150Kg.
Outro mito: quem usa aço balístico não detém tecnologia moderna. O fato é que a Mercedes Benz, que blinda seus próprios veículos na Alemanha (com a marca Gard), usa aço.
Um veículo Mercedes E 430 Gard blindado pesa 380 kg a mais que o veículo original; consulte o folheto. E o Audi A6 Security, blindado na Alemanha, emprega os mesmos materiais, com acréscimo de peso semelhante.
Diz-se, ainda, que é possível blindar um veículo apenas com o uso de mantas de aramida. Outro engano: a manta não tem resistência mecânica nas bordas; o projétil pode penetrar na cabine.
É necessária a colocação de aço (o chamado overlap) na borda das mantas. Mais um mito: o de que é necessário o overlap de aço somente nas portas. É preciso mais: só o aço fixado corretamente nas colunas, em todas as bordas dos vidros e nas bordas das mantas protege a cabine.
Há quem garanta que, quanto maior a espessura dos materiais (vidro, aço, manta etc.), melhor a proteção da blindagem.
Tudo ao contrário: quanto mais avançada a tecnologia, menor deve ser a espessura dos materiais. As normas internacionais especificam contra quais projéteis um determinado nível de blindagem deve resistir e nunca a espessura dos materiais, o que impediria o progresso tecnológico.
E quais são os caminhos para passar da difusão dos mitos a um trabalho sério e responsável? Um exemplo de como desenvolver tecnologia de ponta em blindagem é fazer o crash test (simulação de acidente).
Realizado sempre em conjunto com as montadoras, o teste revela a importância dos elementos de fixação da blindagem, de forma a proteger melhor os passageiros. São testados os parafusos e as buchas especiais, que funcionam como fusíveis, os overlaps (superposições) em aço nas bordas de vidros – impedindo, num acidente, que os pesados vidros blindados caiam dentro da cabine –, o espaçamento entre os pontos de solda e/ou a fixação dos overlaps de aço com cola especial.
O objetivo, nos testes balísticos, é que o material absorva a energia do projétil. Já num acidente simulado, estuda-se como permitir a deformação programada da carroceria, de maneira a proteger os passageiros de impactos maiores.
E já que estamos falando em tecnologia, que tal analisar o que há de mais moderno, na Europa e América do Norte, em termos de blindagem? Os materiais balísticos mais utilizados na blindagem em veículos de passeio, além dos vidros laminados com policarbonato, são as mantas de fibras de aramida (kevlar ou twaron), o spectra shield, termoformados como o impak, e o aço.
Outros materiais – como as cerâmicas balísticas, o dyneema, os compostos de alta performance, como a fibra de carbono reforçada com aço e mesmo os compostos aço/manta e cerâmica/manta –, têm maior aplicação em veículos comerciais de transporte de valores e em caminhões, na Europa.
Ou também em projetos para montadoras, onde os pré-requisitos de alto volume e rapidez na instalação justificam o elevado custo de desenvolvimento dos moldes.
Quanto aos projetos de blindagem, é notável que, no Brasil – o país que hoje detém um dos maiores mercados de blindagem no mundo – pouca divulgação seja dada às formas adequadas de fixação dos materiais balísticos na carroceria.
E, menos ainda, a como deter os disparos a 90º e 45º, estes, os mais perigosos. Pouquíssimas blindadoras brasileiras realizaram, até hoje, o exigente teste sob a norma BRV-1999 – Bullet Resistant Vehicle ou Veículo Resistente a Tiros.
Acontece que o BRV, efetuado por técnicos alemães do Beschussamt Mellrichstadt, tem um custo próximo de US$ 150 mil, acima do budget da grande maioria das blindadoras. O cálculo do custo leva em conta o veículo e sua blindagem, as despesas de honorários, munições, estande de tiro, transporte, estadia e as horas/homem empregadas no projeto.
Um último mito – igualmente nocivo. O de que qualquer blindagem é igual; a diferença estaria no preço. A verdade é que há surpreendentes diferenças entre os projetos de cada blindadora. É só visitá-las e comprovar.
Branko Juran – Especialista em blindagem da Wendler do Brasil