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Tecnologia e inovação: questões complexas

Davys Sleman de Negreiros

Todos temos certas intuições sobre a inovação tecnológica; entretanto, nos confundimos logo que procuramos especificar a maneira pela qual poderíamos organizar ou executar o processo de inovação, a criação de novos dispositivos ou novas indústrias.

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Podemos aplicar a estória dos homens cegos e do elefante à inovação técnica.

O que cada homem experimentou e onde ele tocou o animal determinam suas idéias sobre o que seja o elefante. E cada homem tem idéias muito diferentes.

Em primeiro lugar, não existe inovação pura e simples, porque muitas são as maneiras pelas quais se pode inovar.

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Existem muitas indústrias e problemas, e cada um deles é bastante diferente.

Temos a tendência de simplificar em demasia e pensar que apenas a aplicação da ciência nos leva, de algum modo, à solução de todos os problemas. Mas, naturalmente, a complicação é muito maior.

Aliás, é errado equacionar-se tecnologia e ciência. Esta é a busca de conhecimentos mais ou menos abstratos, enquanto que a primeira é a aplicação do conhecimento organizado no auxílio à solução de problemas em nossa sociedade.

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Tendemos a nos esquecer que, mesmo atualmente, grande parte da tecnologia, das engenharias mecânica e civil, por exemplo, podem independer da ciência.

Existem muitas atividades criadoras e inovadoras importantes que, quando utilizam a ciência, fazem-no incidentalmente.

Durante muito tempo, isto foi válido para maior parte da tecnologia. Depois, logo que se começou a compreender alguma coisa sobre a eletricidade e a química, utilizou-se esse conhecimento na fabricação de aparelhos para fins específicos, por exemplo, o motor elétrico, telégrafo, telefone, plásticos.

A maioria dessas invenções não foi feita por cientistas (que estavam mais interessados na compreensão do fenômeno natural), mas por pessoas que, de certo modo, haviam aprendido alguma coisa em determinado setor científico, viram as oportunidades de agir a respeito de um problema existente e quiseram explorar uma idéia nova para inventar qualquer coisa baseada no novo conhecimento.

Esquecemos que a invenção continua sendo o ingrediente básico da inovação. Ainda precisamos de pessoas que tenham pendor, interesse, aspiração e capacidade criadora para serem inventores.

Os primeiros inventores utilizavam os fatos do mundo quotidiano no qual viviam, confiando em aparelhos e processos mecânicos que podiam observar.

O tecnólogo moderno, que cria um transistor, um novo plástico ou um novo antibiótico, não é menos inventor, mas tem de viver num mundo especial e ter conhecimentos especiais nos quais possa fundamentar suas criações. Mas a posse de base científica não transforma uma pessoa automaticamente num inventor.

Além disso, o problema de como produzimos, ou como treinamos dá origem, de certa maneira, a pessoas dotadas de capacidade criadora num assunto sobre o qual muito se escreveu, mas que ainda não é realmente compreendido.

Acredito que isto se relacione com outro problema que não compreendemos: como os seres humanos pensam? Se perguntarem a um professor o que está tentando fazer, ele dirá que está procurando ensinar as pessoas a pensar.

Então, se perguntarmos: “Como é que o senhor ensina as pessoas a pensar?”, descobrir-se-á que ele realmente não sabe. Se seus esforços são bem sucedidos, é devido ao seu próprio exemplo.

No âmago do problema, não só da inovação mas também da pesquisa científica, está este dilema: alguns estudantes muito bons na solução de problemas, e que alcançam notas elevadas, mostram não ser nada originais quando postos a trabalhar num projeto de pesquisa; por outro lado, muitos estudantes que não são bons acadêmicos, e que precisam ser arrastados através de cursos e exames, tem, realmente, a centelha criadora e, amiúde, transforma-se em excelentes pesquisadores.

Desta forma, acredito que, se desejamos inovação, necessitamos antes de tudo, de uma pessoa com o impulso, a imaginação e o desejo ardente de criar, de inventar.

Naturalmente, a inovação exige também outras coisas. Deve existir a oportunidade, a necessidade, bem como as verbas para esse tipo de atividade criadora no mundo inteiro; este último fator está se tornando um obstáculo cada vez maior a inovação, a medida que aumentam os custos da ciência e da tecnologia.

Na maior parte do mundo civilizado, tem-se uma crença que julgo ser justificada, embora seja muito difícil prová-la estatisticamente: a de que o índice de crescimento da nossa economia está de certo modo, ligado à quantidade de pesquisas e desenvolvimento que realizamos, especialmente a primeira.

Ninguém duvidará do fato de que, se não fizéssemos grande número de pesquisas básicas, criando, desta forma, o conhecimento científico no qual se fundamenta a nossa tecnologia, não teríamos nossa florescente sociedade industrial.

Não obstante, não estabelecemos uma relação quantitativa entre os índices de gastos em pesquisas e os índices de crescimento econômico.

Também no tocante à pesquisa e ao desenvolvimento aplicados, deveríamos estar convencidos de que as coisas que procuramos são necessárias, antes de com elas despendemos grandes somas.

Essa precaução é necessária, em parte, porque a pesquisa e o desenvolvimento aplicados são muito mais dispendiosos do que a pesquisa básica e, em parte, porque novo conhecimento, a compreensão fundamental, é um bem indestrutível que poderá ser usado a qualquer momento no futuro.

Quer ele seja adquirido hoje, ou daqui a cinco ou dez anos, não importa, mas o fator tempo do valor dos desenvolvimentos tecnológicos é forte.

Haverá alguma ligação clara entre o índice de gastos em pesquisas e desenvolvimento e o índice de crescimento econômico? Poder-se-á dar valor monetário aos resultados das pesquisas? Se pensarmos um pouco sobre esta pergunta, veremos que ela é, em partes, uma tolice, porque não podemos estipular um preço para a importância de algo como a penicilina.

Porém, existem outras coisas passíveis de receber um preço. É possível, por exemplo, estabelecer o valor de certos desenvolvimentos tecnológicos específicos, tais como a utilização da energia atômica para fins pacíficos.

Todavia, mesmo aqui, encontramos armadilhas. Como se debita o dinheiro gasto hoje para o ano 2010? A população do Brasil no ano 2010 será de trezentos mil ou meio milhão de pessoas? É evidente que estas perguntas têm importante conseqüência para os resultados desse tipo de análise econômica.

Existe, nos Estados Unidos, uma crença geral, da qual partilho, de que à medida que aumentamos a produtividade industrial e temos maior disponibilidade de potencial humano, uma das coisas que precisamos fazer é criar novos produtos e indústrias.

Além disso, queremos que as velhas indústrias se tornem mais eficientes para ajudar a elevar o padrão de vida.

Quando procuramos compreender por que certas indústrias são mais dinâmicas e outras não, descobrimos que muitas destas últimas não fizeram uso suficiente da tecnologia para melhorar sua produtividade ou seus produtos, ou para criar novos produtos.

É difícil compreender isto. Mas as indústrias que não têm sido muito agressivas na aplicação da tecnologia e da ciência, parecem ter algumas coisas em comum. Uma, é que elas tendem a ser indústrias compostas de pequenas unidades.

A indústria de construções, por exemplo, compõem-se de grande número de pequenos construtores.

Como resultado, não existe uma grande companhia que, se fizer consideráveis investimentos em pesquisas e desenvolvimento, eles lhe trarão um lucro substancial.

Mesmo a maioria dos fabricantes de materiais de construção não é suficientemente grande para financiar esforços eficientes de pesquisas e desenvolvimento. Essas indústrias não têm elos tradicionais com a pesquisa e não compreender seu potencial.

Nestes últimos anos, a existência ou não de uma função para governo federal no fomento da inovação nos tem intrigado.

Examinando o que os outros países fizeram nesse setor, e as tentativas para estimular a inovação industrial na Inglaterra (atualmente) e na União Soviética (quando da sua existência e poder), os únicos países onde os governos fizeram importantes esforços. Na minha opinião, ambos falharam.

Na Inglaterra, após a Segunda Guerra Mundial, o governo fundou cerca de cinqüenta Institutos Industriais, cuja finalidade principal era ajudar a criar novos produtos e introduzir tecnologia e processos modernos na indústria britânica.

Fez-se isto porque os ingleses reconheciam que sua indústria não estava em pé de igualdade com a indústria norte-americana mais moderna.

Com muita imaginação e energia, puseram-se a fazer algo a respeito, mas os resultados dessas atividades em 1961 e 1962 mostraram que a maioria fracassou.

Eles haviam realizado inúmeras coisas muito interessantes mas, em grande parte, sem importância.

Todo esse conjunto de Institutos, que havia gasto muito dinheiro, não desenvolveu novos produtos realmente importantes ou novas idéias que tivessem sido aplicadas à indústria. Seria desleal dizer que eles não deram contribuição alguma, mas o fato é que não revitalizaram a indústria britânica, sua principal esperança.

Uma razão para esse resultado insatisfatório me parece clara. Ter uma nova idéia e mostrar sua viabilidade é a parte mais fácil da introdução de um novo produto. Projetar um produto satisfatório, produzí-lo e criar um mercado para ele, são problemas bem mais difíceis.

Persuadir pessoas a arriscar grandes somas em novas idéias pode ser muito difícil, sobretudo numa situação na qual o jogador não adquire um interesse de proprietário no novo produto.

Essa foi uma das mais sérias fraquezas dos Institutos Industriais. Se eles aperfeiçoassem um produto atraente, obviamente vendável, ele seria igualmente acessível a todos.

Como resultado, ninguém estava preparado para ser o primeiro a arriscar grandes quantias para desenvolver o mercado – ou assumir as possíveis perdas se ele não pudesse ser desenvolvido – sabendo que, tão logo isto ocorresse, outras companhias poderiam intervir.

A então União Soviética também fez vultosos investimentos nos laboratórios de Ciências Aplicadas, na pesquisa industrial e nos laboratórios de desenvolvimento.

Entretanto, nessa época, a principal preocupação da liderança soviética era saber como aumentar a eficiência da sua indústria e como desenvolver novos e melhores produtos. Seu orgulho não ia ao ponto de impedir que copiassem o que necessitam.

Se quisessem um limpa-neves, compravam os existentes, escolhiam o melhor e copiavam-no. Mas, no geral, a indústria soviética tinha sido incapaz de copiar, com vantagem, os produtos ocidentais, resultado, em parte, da insuficiência fundamental da sua base industrial, a despeito dos grandes progressos da última década.

Existia também uma aparente falha de interação adequada entre os cientistas e tecnólogos soviéticos e a indústria soviética.

Não é fácil compreender esses fracassos e ainda não estou satisfeito com a minha análise, mas tenho algumas outras considerações a fazer sobre o caso britânico.

Além do problema dos perigos, já citados, o sistema inglês não está qualificado para atrair o tipo de pessoas impulsionadas para fazer ou criar alguma coisa nova.

Não é provável que o inovador, o homem que acredita ter a grande idéia que lhe dará um milhão de dólares, vá trabalhar num laboratório com cinqüenta funcionários, onde a finalidade é “inventar” algo no campo abstrato.

Este é um sério problema. Não se pode mandar um homem ter novas idéias. Não podemos dizer apenas: “Queremos três idéias novas este ano, nos seguintes setores”, e esperar que elas realmente apareçam. A inovação é um processo muito mais complexo.

Parece-me que um ingrediente importante, ausente no caso inglês, é a pessoa com a inspiração para fazer algo novo. Já disse anteriormente que as pessoas inspiradas não são, necessariamente, os cientistas ou os engenheiros mais bem treinados.

Os inovadores técnicos são homens que não só têm algum conhecimento científico, mas também a inspiração para colocá-lo a funcionar em toda idéia nova que apareça. Isto não quer dizer que haja, atualmente, na maioria dos nossos laboratórios, homens que são bons cientistas ou engenheiros e, ao mesmo tempo, bastante criadores.

Mas a maioria dos diretores de laboratórios admitem que, para terem algumas pessoas realmente criadoras, precisam de uma grande equipe.

Para se educarem pessoas que tenham a competência científica ou técnica e, ao mesmo tempo, sejam capazes de alguma inspiração, poderíamos fazer experiências com os Institutos Tecnológicos, as grandes Universidades, Instituições Governamentais e com a indústria, que também deveriam dar verbas suficientes para financiar o desenvolvimento das invenções.

Também poderíamos oferecer incentivos financeiros para as indústrias cuja principal dificuldade é a fragmentação em grande número de pequenas firmas, de modo a reuní-las na realização de pesquisas cooperativas e atividades do desenvolvimento.

Espero que com esse bocado de trabalho exploratório da nossa parte, se permita que as várias pessoas que estão fazendo pressão para a realização dessas experiências, possam iniciar algumas delas. Então teremos a oportunidade de saber se é possível estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico numa indústria pachorrenta.

Obras Consultadas:
CARVALHO, André & QUINTELLA, Heitor. “Informática”, MG, Editora Lê, 1995.
CHINOY, Ely. Sociedade (uma introdução à Sociologia), 19ª edição, SP, Cultrix, 1993.
COSTA, Marco Aurélio Rodrigues da. “Crimes de Informática (Internet)”, UFRGS, 1998.
FORESTER, Tom & MORRISON, Perry. “A insegurança do computador e a vulnerabilidade social”, FGV-SP, Revista de Administração de Empresas ,1990.
FORESTER, Tom (editor). “Informática e Sociedade – Evolução e Revolução” , Lisboa, Edições Salamandra, 1989, vol. I e II.
MASUDA, Yonejii. “A sociedade da Informação como sociedade Pós-Industrial”, RJ, Editora Rio-Embratel, 1982.
SCHAFF, Adam. “Sociedade Informática: as conseqüências sociais da segunda revolução industrial”, 3ª edição, SP, EdUNESP, 1992.
TORRE, M.B.L. Della. “O Homem e a Sociedade (uma introdução à Sociologia)”, 15ª edição, SP, Cia. Editora Nacional, 1989.
WARNER, Aaron W. & MORSE, Dean (orgs.) “O impacto social da reforma tecnológica”, SP, Livraria Freitas Bastos S.A., 1967.

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