Engana-se quem pensa que adquirir e dirigir o carro próprio é uma pretensão que esbarra apenas em questões de ordem financeira. Em alguns casos, isso também requer uma combinação de paciência e obstinação.
É essa a realidade de mais de 130 mil condutores, só no sul do Brasil, considerados inaptos para dirigir veículos comuns, condição definida pelas restrições que vão de C a X na resolução do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
Computado até outubro desse ano, o número foi disponibilizado pelos Detrans dos três estados da região. Mas, para se ter ideia da ordem que o número de condutores com essas restrições pode alcançar, em 2010, dentre os mais de 45 milhões de brasileiros com alguma deficiência, dois milhões e meio eram deficientes motores entre 15 a 64 anos, faixa etária que compreende a idade de dirigir.
Para entender os desafios de obter a habilitação e um veículo adaptado, a Perkons ouviu condutores com mobilidade reduzida e empresas que realizam adaptação veicular.
Os olhares de surpresa sempre acompanharam os passos do músico Johnatha Bastos. Nascido sem os braços, ele conseguiu a habilitação há menos de um mês e, de lá para cá, praticamente não deixou o motor do carro esfriar na garagem.
“É um sonho que foi concretizado e me deu mais autonomia e liberdade”, completa.
A aparência do veículo é comum, mas o interior é todo adaptado para atender às necessidades do jovem.
Volante, pedais e freio ficam ao alcance dos pés, como o painel com botões que acionam os faróis e o para-brisa.
Porém, antes mesmo de dirigir, ele precisou comprovar a posse do carro adaptado, já que a natureza de sua limitação exigia adaptações específicas para que o automóvel fosse utilizado também nas aulas de direção e no exame prático.
“Foi preciso passar por uma perícia detalhada e só então receber autorização para circular com ele”, explica. Para a adaptação, todas as medidas do jovem foram levadas em consideração e os ajustes necessários aconteceram ao longo de um ano.
“Mesmo personalizado, meu carro também pode ser conduzido por pessoas sem deficiência física”, explica Johnatha.
A personalização do veículo é um dos pilares da Cavenaghi, pioneira no segmento de adaptação veicular.
“Os comandos podem ser invertidos ou automatizados, e há uma gama de acessórios que podem ser instalados, como freios e aceleradores manuais. 99% dos veículos disponíveis no mercado podem passar pela adaptação”, resume a diretora comercial, Mônica Cavenaghi.
Isenção tributária exige paciência do condutor – No Brasil, pessoas com deficiência física podem adquirir um automóvel com isenção do IPI (Imposto Sobre Produtos Industrializados).
Para solicitar a isenção é necessário reunir todos os documentos listados pela Receita Federal e dar entrada no processo em uma das unidades do órgão.
Para o gerente de vendas corporativas da concessionária Copava, Alexsandro Beal, o tempo gasto nesse processo acaba por desestimular muitos condutores com mobilidade reduzida.
“Mais de 90% das pessoas que têm direito à isenção não sabem disso e há uma parcela que sabe e desiste devido à morosidade do processo de compra”, avalia. Para sanar possíveis dúvidas do usuário, a empresa desenvolveu, há cerca de cinco anos, uma cartilha, que elenca, por exemplo, as limitações elegíveis para que o condutor solicite a isenção.
Para o aposentado Mário Sérgio dos Santos, que teve os braços amputados há 21 anos, foram investidos mais de dois anos para reunir a documentação exigida.
Assim como Johnatha, Mário precisou comprovar a posse do carro – cujos comandos são controlados pelos pés – antes de obter a CNH.
“Foram várias etapas, mas consegui minha CNH. De início minha mãe e esposa tiveram receio de andar comigo, mas hoje as levo para todo canto”, comemora.