Uma caixinha de (desagradáveis) surpresas, é assim que o motorista brasileiro vai convivendo com o seu automóvel, com as montadoras e concessionárias, combustíveis, peças de reposição, legislação específica, fiscalização etc.
Um susto recente foi o do combustível adulterado: amarrado ao cartel das poderosas empresas do ramo, o motorista pagava caro pela gasolina, mas tinha certeza de sua qualidade.
Com a abertura do setor, proliferaram as distribuidoras, caíram os preços e a qualidade. Outro dia, o dono de um posto (fechado pela ANP) na grande BH disse que sua gasolina não era adulterada, era só “diferente”. Pode?
Não bastasse a intranqüilidade em relação ao combustível, a caixinha tem mais surpresa, desta vez a falsificação de peças de reposição. É isto mesmo: você vai na loja e compra uma peça da suspensão ou do freio do seu carro na caixinha original com o logotipo do fabricante, tudo nos conformes.
Para descobrir alguns dias e quilômetros mais tarde que a peça não era original mas produzida num fundo de quintal qualquer. E a embalagem também falsificada ou reaproveitada, num requinte de pilantragem que coloca em risco sua vida e a da sua família.
Mas as surpresas continuam: se você não sabe exatamente o que significam os vocábulos caminhonete e camioneta, prepare-se para mais um susto.
Caminhonete é o pick-up, o pequeno caminhão com cabina de passageiros e caçamba de carga atrás. Já camioneta é a perua, o station-wagon, ou a minivan, que leva passageiros e carga na mesma cabina. Até aí, tudo bem.
Acontece que tanto uma quanto outra mudam de denominação quando sua capacidade de carga aumenta: caminhonete vira caminhão e camioneta vira microônibus.
Acontece que os importadores não explicam muito bem a legislação aos clientes que acabam morrendo em pesadas multas. Porque para dirigir, por exemplo, a Kia Besta, o motorista deve ter a mesma habilitação que um chofer de ônibus.
Além disso, alguns pick-ups e vans promovidos para caminhões e ônibus devem circular nas rodovias respeitando as indicações de velocidade máxima (90 km/h) de veículos de carga e não o limite (110 km/h) estabelecido para automóveis, ou seja, mais multa no bolso e no prontuário.
Duas cabeças-Não se trata de nenhum “bicho-papão”, mas da estranha legislação que classifica os modelos nacionais de acordo com seu ano de fabricação para efeito do pagamento de impostos.
A praxe em todo o mundo é o lançamento do “ano-modelo” no semestre anterior ao do ano propriamente dito. Ou seja, neste segundo semestre de 2001 as montadoras introduzem alterações de estilo ou mecânicas (ou ambas) e apresentam a versão 2002 de seus automóveis.
Mas a legislação brasileira insiste em manter o ano de fabricação no documento, ainda que não haja absolutamente nenhuma diferença entre um carro produzido no dia 31 de dezembro e outro no dia seguinte.
Criou-se então no Brasil, por força de uma legislação que insiste em fechar os olhos para a realidade do mercado, o carro de “duas cabeças”, ou seja, com “ano-modelo” diferente do “ano de fabricação”.
Até dezembro deste ano, os novos carros serão 2001/2002. A partir de janeiro, o carro perde uma “cabeça” e vira 2002 “de verdade”.
E qual o problema desta miopia governamental? É que o carro de “cabeça-dupla” acaba perdendo valor no momento da revenda como usado, pois seu ano de fabricação não coincide com o “ano-modelo”. Mais uma surpresinha tupiniquim para pesar no bolso do consumidor.