O primeiro automóvel desembarcou no Brasil há exatos 111 anos. Foi em novembro de 1891, quando o navio de luxo Portugal, procedente da Europa, atracou no porto de Santos.
Era um modelo Peugeot, equipado com motor Daimler, movido a gasolina, de dois cilindros em V e 3,5 cv de potência máxima.
Quem o trouxe: Alberto Santos Dumont (1873-1932), que retornava da França com a família.
O Peugeot deixou o porto de Santos e seguiu direto para o palacete da alameda Nothman, esquina com alameda Cleveland, em São Paulo, onde Santos Dumont foi morar com seus pais e sete irmãos.
Uma garagem foi construída, mas o carro não era visto pelas ruas. Tudo leva a crer que o então futuro pai da aviação tenha comprado o carro mais para estudar o motor do que para dirigi-lo.
A história do automóvel no Brasil é rica em detalhes interessantes e curiosos.
A máquina de quatro rodas que substitui a tração animal pela mecânica mudou conceitos, transformou o cenário das grandes cidades, influiu no comportamento cultural da sociedade e alavancou a economia do país.
Hoje, poucos conhecem essa história, que muito em breve, provavelmente será desconhecida das futuras gerações.
Ainda não existe a preocupação de resgatar a memória do automóvel, e as montadoras instaladas no país limitam-se a passos tímidos neste sentido.
O pouco que ainda sobra está resumido em algumas literaturas, editadas pela iniciativa privada, como é o caso de O Século do Automóvel no Brasil.
A Brasinca, empresa que se insere na história da indústria automobilística brasileira desde a sua origem, acompanhou todas as fases do setor.
Fundada em 1949, quando ocupava galpões alugados na avenida Henry Ford, no bairro paulistano do Ipiranga, consolidou-se gradativamente no mercado automobilístico.
Ao comemorar 40 anos, em 1989, a Brasinca achou por bem homenagear todos aqueles que lutaram para que a indústria automobilística nacional chegasse ao lugar de destaque que alcançou.
Resgatar e registrar a memória do automóvel foi a forma encontrada pela empresa para prestar a homenagem, lançando O Século do Automóvel no Brasil, obra da qual extraímos os seguintes trechos:
“O jornalista José do Patrocínio trouxe o segundo automóvel para o Brasil. Assim como o Peugeot de Santos Dumont, o carro de Patrocínio, um Serpollet, movido a vapor, com motor de 8 cv e quatro cilindros em V, fora comprado na França, nos arredores de Paris. Causou espanto e admiração entre os transeuntes ao circular pelas ruas do Rio”.
“José do Patrocínio convidou diversos amigos para a estréia do automóvel, mas ninguém aceitou o desafio. Em nome da segurança, preferiram continuar andando de tílburi, puxado por burros e cavalos. Mas, em dado momento, um deles concordou com o jornalista. Tratava-se do poeta Olavo Bilac, que desejava aprender ‘a difícil arte de dirigir’. Os dois amigos marcaram um encontro, numa manhã de domingo, para colocar em prática a aventura.”
Acidentes começam no século 18 – O Século do Automóvel no Brasil conta que José do Patrocínio e Olavo Bilac saíram com o automóvel espalhando pânico entre os moradores da rua Olinda.
Depois de atravessar a cidade alarmada, o Serpollet tomou o rumo da estrada da Tijuca. Bilac estava no comando e Patrocínio insistia para o poeta dar cada vez mais pressão no veículo.
O inevitável para um motorista sem prática aconteceu numa curva: Olavo Bilac perde o controle da alavanca de direção, o carro bate numa árvore e depois despenca num barranco. Jornalista e poeta se salvam, mas o veículo fica inutilizado, tem perda total.
Ainda em meados de 1897, também no Rio de Janeiro, aconteceu o que talvez tenha sido o segundo acidente automobilístico ocorrido no Brasil.
O industrial Álvaro Fernandes da Costa Braga, fundador da fábrica de chocolate e café Moinho de Ouro, importara um carro Benz, com motor monocilíndrico de 6 cv.
Na parte traseira da carroceria, mandou instalar um pequeno moinho estilo holandês, de quatro pás, para fazer propaganda de seus produtos.
Como não sabia dirigir, Braga pediu ajuda a dois amigos – James Mitchell, que assumiu a alavanca de direção, e J.A. Byington, que se instalou dentro do moinho. Braga vai na boléia.
Na praia de Botafogo, o trio cruza com um bonde puxado a burros, os quais se espantaram com as pás do moinho girando.
Os animais empinam e partem pra cima do carro-propaganda. “Quando tentei sair dos escombros, o bonde estava atravessado na linha, diversas passageiras tinham desmaiado e o cocheiro português tentava convencer um dos burros que no moinho não podia ficar”, relembrou Byington tempos depois do acidente.
Até 1900 apenas quatro automóveis haviam sido importados para o Brasil. Os dois existentes em São Paulo, o de Santos Dumont e o de Tobias de Aguiar, quase não rodavam por causa das ruas estreitas com calçamento precário.
Os outros dois que foram para o Rio de Janeiro viraram sucata. Portanto, o transporte continuava sendo feito por veículos de tração animal e as novidades ficavam restritas a umas poucas linhas de bondes elétricos.
São Paulo e Rio se transformam – O automóvel transformou São Paulo e Rio de Janeiro mais intensamente a partir dos anos 10 do século passado. Ruelas coloniais foram substituídas por avenidas, o que mudou o traçado viário das duas capitais.
O Centro de São Paulo passou a acolher mansões de ricos fazendeiros e os imigrantes começaram a chegar cada vez em maior número para trabalhar em indústrias emergentes.
As importações de automóveis também cresceram rapidamente. A novidade tomou conta não apenas das ruas. A imprensa destacava o automóvel sempre como um grande assunto e até uma revista foi lançada utilizando o som característico das buzinas da época como título: Fon-Fon!
Em 1907, o automóvel já era destaque do carnaval carioca, surgindo nos anos seguintes o tradicional corso, com guerras de serpentina, confete e jatos de lança-perfume entre os foliões que desfilavam de carro pelas ruas centrais.
Nesta época o carro mudou o comportamento da sociedade até em relação aos trajes. Para dirigir, os homens usavam longas capas, bonés e óculos semelhantes aos de aviadores, enquanto as mulheres se vestiam como se fossem a um baile.
Elas também usavam véus para proteger a pele contra o pó que os carros levantavam nas estradas de terra. No interior de São Paulo e do Rio de Janeiro foram abertas estradas para permitir maior circulação de mercadorias, favorecendo os centros produtores.
“Aos poucos as máquinas de quatro rodas movidas por motores a combustão vão deixando de ser objeto de luxo da elite para servir também a classe média. Fazendeiros do interior passam a transportar suas mercadorias nos pequenos caminhões Ford modelo T, cujas peças podem ser encontradas até em quitandas e botequins à beira das estradas”, publica O Século do Automóvel no Brasil.
Este capítulo da história do automóvel no cenário nacional que se refere à disponibilidade de peças já na primeira década do século passado nos remete aos dias atuais: a importância do pós-venda e da assistência técnica para determinar o sucesso ou o fracasso de uma marca no mercado.
O Departamento de Peças e Serviço continua sendo um dos desafios, exigindo constantes investimentos tanto por parte da montadora como das concessionárias porque representam, antes de mais nada, a fidelidade do cliente.
No caso do Ford modelo T, este foi o grande segredo desvendado por Henry Ford. Um veículo produzido em escala suficiente para torná-lo, em termos de preços, acessível a um número cada vez maior de consumidores deveria obrigatoriamente ter o atendimento ao cliente como uma de suas principais armas. Henry conseguiu isso!
Percy Faro – Diário On-line