Em agosto de 90 surgiu no País o Mille, que com seus concorrrentes 1.0 mudou a relação do brasileiro com carro. Hoje, a baixa cilindrada domina as ruas. Uma renovação industrial, de mercado e de comportamento no Brasil completou dez anos este ano: foi em 1990 que chegou ao mercado o Uno Mille, carro que, com seus concorrentes de motor 1.0, mudou a paisagem urbana e a forma de dirigir do brasileiro.
A paisagem mudou com a enxurrada de carros pequenos e mais baratos que tomou as ruas; a forma de dirigir teve de adaptar-se à baixa cilindrada, de lentas respostas ao acelerador. Mas a renovação ainda não terminou: na mais rápida evolução que a indústria automobilística brasileira já teve, tais carrinhos sofisticaram-se, ganharam conforto, potência e, ultimamente, até status.
A importância dos carros 1.0 cresceu tanto que, segundo Markus Stricker, diretor de Prática Automotiva da empresa de consultoria A.T. Kearney, o mercado de automóveis no Brasil hoje está praticamente baseado nos carros com essa motorização. “Com os preços mais baixos, os modelos 1.0 conquistaram um novo mercado de compradores de carro zero-quilômetro”, afirma. Também permitiram que os consumidores passassem a trocar mais de carro.
Dessa forma, para Stricker, fica até difícil definir qual o perfil do comprador desse tipo de carro: o 1.0 pode ser o primeiro carro zero da família, ou o primeiro carro do filho estudante, ou ainda o segundo ou terceiro carro da família.
Foi com uma redução fiscal que tudo começou: em 1990, já dispondo de um motor 1.0, que produzia para exportação, a Fiat conseguiu do governo a redução do IPI de 40% para 20% em modelos com motor dessa cilindrada. O Mille chegou às revendas por Cr$ 625 mil, o que hoje representaria R$ 15.651,00. Até então, o carro mais barato era o Chevette SL, que custava Cr$ 704 mil (R$ 17.629,00).
O benefício permitiu à montadora ampliar as vendas e tomar dois meses depois o terceiro lugar da Ford no ranking de vendas. O Mille não tinha encosto de cabeça nem retrovisor do lado direito; os bancos parcialmente revestidos em curvin sequer eram reclináveis. O desempenho era limitado: o motor, ainda com carburador, tinha 48,5 cv de potência. Mas o preço falava mais alto: em março de 1991, o Gol, campeão de vendas da Volks, perdeu o primeiro lugar no ranking para o Mille.
Transformação: O primeiro concorrrente do Mille chegou só em 92, com o Chevette Júnior, logo seguido pelo Gol 1.000. A essa altura, a Fiat já tinha uma segunda versão do Mille no mercado, o Brio, com mais acessórios e potência ligeiramente maior. Era o início da tendência de oferecer carros 1.0 mais potentes e mais equipados – hoje, alguns desses automóveis têm potência equivalente à de modelos 2.0 (caso do Gol 1.0 Turbo) e só bancos de couro não são oferecidos como opcional.
Mais aperfeiçoamentos: em 93, o Mille ganhou ignição eletrônica, tornando mais eficiente a queima do combustível. Enquanto isso, a Ford lançava o Escort Hobby e a GM retirava do mercado o Chevette Júnior, para lançar em 94 o Corsa, primeiro 1.0 com injeção eletrônica.
A corrida pela potência intensificou-se em 1996, quando a GM lançou o Corsa de injeção múltipla de combustível e 60 cv. No ano seguinte foi a vez de a Volks inovar, com o motor 1.0 de 16 válvulas para o Gol. Em 98 a busca de desempenho diversificou-se com o câmbio de seis marchas para o Siena 1.0 da Fiat; em 99 a Ford lançou para Fiesta e Ka o motor Zetec, o mais eficiente 1.0, e em 2000 a sofisticação se completaria com Gol e Parati 1.0 Turbo.
Imagem: maior potência e uma ampla oferta de acessórios, como air bags, direção hidráulica, trio elétrico, som, aquecimento, pintura metálica e ar-condicionado, foram afastando aos poucos os carros 1.0 da imagem de veículo popular. Tanto que em janeiro de 99 eles romperam a barreira dos R$ 20 mil e no final do ano os mais caros já superavam R$ 30 mil.
Hoje, o mais caro 1.0 é a Parati Turbo, que, pela tabela da fábrica, custa R$ 33.768,00 quando completamente equipada. O mais barato é o precursor Mille, com preço de tabela de R$ 12.855,00.
No momento, com mercado em baixa, o que se verifica é uma volta às origens:
Ford, Fiat e Volks têm oferecido insistentemente bônus para seus modelos mais simples e a primeira recolocou no mercado a versão de duas portas do Fiesta, a mais barata. Para o mês que vem é aguardado o lançamento do Celta, da GM, modelo de acabamento simples para concorrer na faixa inferior de preço.
As opções de 1.0 são muitas, mas o mercado também tem espaço para alguns importados, como o coreano Hyundai Atos Prime, o Renault Twingo feito no Uruguai, o Renault Kangoo argentino e o francês Peugeot 106.