Caminhões mal-sinalizados e com pára-choques inadequados causam milhares de mortes todos os anos no Brasil; as soluções para reduzir o perigo estão nas mãos do governo federal, mas até agora nada mudou.
Diferença visível
O uso das faixas retrorrefletivas, iguais às do caminhão à direita, aumenta a
visibilidade dos veículos pesados à noite, melhorando a segurança nas estradas
Olhe com atenção esta foto logo acima. Quantos veículos você pode ver? É difícil perceber, mas há um segundo caminhão bem na frente do primeiro.
Muita gente toma sustos nas estradas ao se descobrir a poucos metros de um veículo com lanternas queimadas, mal ou nada sinalizado.
Outros não têm a sorte de perceber a tempo. Dados da Unicamp atestam que, a cada ano, 15 mil brasileiros morrem ao bater seus carros na traseira de um caminhão.
Desde 2001, deveria ter entrado em vigor a resolução do Conselho Nacional de Trânsito que manda sinalizar veículos pesados como o da direita, na foto. Por pressão dos caminhoneiros, não entrou até esse momento.
Em uma noite chuva de 1994, Osmar Santos dirigia seu Mercedes-Benz no interior de São Paulo e foi surpreendido por um caminhão manobrando na estrada.
A colisão com a traseira do veículo foi inevitável e o ex-narrador esportivo sofreu uma lesão de 7 centímetros na cabeça. Perdeu parte dos movimentos e a fala ficou comprometida.
Casos como o de Osmar Santos, envolvendo muita gente anônima, motivaram o Contran a elaborar a resolução 105.
De acordo com ela, veículos acima de 4,5 toneladas devem receber faixas reflexivas para aumentar a visibilidade à noite.
Elas já são obrigatórias na Argentina, Chile, Alemanha, Japão, Grécia, EUA e Austrália. “É segurança ativa”, afirma o engenheiro Luiz Otto Fabensmutler, criador do Projeto Impacto e especialista no assunto.
Pelos testes feitos no Brasil, as faixas tornam um caminhão visível à distância de, pelo menos, 400 metros. Na Alemanha, seu uso reduziu os acidentes com mortes em 95%, em dois anos de pesquisa.
A decisão final sobre a aplicação desse item de segurança está nas mãos do Denatran, órgão que regulamenta as sugestões do Contran, e era prevista para o fim de dezembro de 2000.
Ela se junta às novas medidas dos pára-choques dos caminhões, mais uma mudança eficaz para reduzir o número de mortes. Outro recurso de segurança em estudo pelo governo federal.
Os veículos pesados deveriam estar circulando com as faixas desde 30 de junho de 2001. Mas entidades ligadas aos caminhoneiros pressionaram para a suspensão da resolução 105.
Alegaram-se falta de opção, custo alto dos materiais e necessidade de revisão do prazo de aplicação, considerado curto.
A maior parte dessas contestações foi rebatida por especialistas nas câmaras temáticas do assunto, promovidas pelo Contran, segundo Neuto Gonçalves dos Reis, assessor-técnico da Associação Nacional de Transporte de Cargas (NTC).
O preço, considerado alto para o poder aquisitivo do brasileiro, foi o aspecto mais discutido: “Mostramos que custaria entre R$ 180 e R$ 450”, afirma Reis. Os opositores alegam que a despesa chegaria a R$ 1.200.
Efeito guilhotina Mais seguro
Colisões traseiras quase sempre são fatais para os ocupantes dos carros; hoje, o pára-choque do caminhão fica a 40 cm do fim da carroceria e a 55 cm do chão Testes da Unicamp, usando peças posicionadas a 40 cm do solo e no extremo, provaram que os carros não continuam a trajetória embaixo do veículo pesado
Contestando argumentos
A própria obrigatoriedade da faixa foi contestada. Sugeriram-se alternativas no uso de materiais para melhorar a visibilidade. Entre elas, as tintas empregadas na sinalização de trânsito.
“Testes mostraram que essa solução não era adequada”, lembra Reis. Caminhoneiros e entidades representativas alegaram ainda que fornecedores seriam favorecidos e as faixas durariam pouco.
“Os argumentos eram infundados”, afirma o engenheiro Fabensmutler. Três fabricantes foram homologados para vender as faixas.
O engenheiro defende a idéia com tanto empenho que sugere uma saída arrojada para o impasse: “O governo deveria dar as faixas, pois gastaria menos que a conta dos hospitais.”
Oficialmente chamadas faixas retrorrefletivas, pela resolução 105 elas devem cobrir 80% da borda inferior da parte traseira e 50% da borda inferior lateral dos caminhões.
“Pedimos novos estudos para reduzir essas porcentagens”, informa Délio Cardoso, diretor-geral do Denatran. Para ele, a realidade econômica brasileira e dos caminhoneiros não permitiria a despesa para atender às regras.
“Às vezes, é quase o que muitos caminhoneiros ganham por mês”, diz. Mesmo assim, Cardoso acha que a faixa é um processo irreversível. “É melhor ter um mínimo do que nada”, diz.
Uma vez aprovado o estudo, o Denatran vai estabelecer os prazos para adaptação da frota em circulação. Os caminhões novos deverão sair da linha de montagem com a sinalização.
A regulamentação de um desenho seguro para os pára-choques dos caminhões deve demorar ainda mais para vir. O diretor do Denatran informa que o assunto ainda está em fase de consulta pública.
“Estamos recebendo sugestões e depois a discussão dos termos finais começa”, explica. Aprovadas as modificações, as montadoras terão um prazo para se adaptar às regras, segundo ele. “Sobre a frota circulante, não quero nem entrar no mérito agora.”
É possível que a legislação brasileira sobre o assunto mude bastante.
“Muita coisa foi baseada na lei australiana, a mais rígida”, afirma Neuto dos Reis, da NTC. Os pára-choques ficariam mais próximos do solo, comparados com os atuais. A força de resistência, hoje de 2,5 toneladas no centro da estrutura, subiria para 10 toneladas. “O que for aprovado ainda será pouco para a segurança”, acredita Cardoso.
Uma das sugestões em debate foi feita pela Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É o pára-choque articulado, que pode ser proposto como alternativa para as montadoras de caminhões.
Como não é fixa, a peça move-se para trás quando toca em elevações do terreno, como uma lombada alta, e é mais resistente a colisões. “Evita ainda que seja danificado, pois não é rígido”, explica Fabensmutler.
A idéia é um dos resultados do Projeto Impacto, uma parceria entre o engenheiro Luiz Fabensmutler, a General Motors e a Mercedes-Benz – as montadoras cederam veículos para testes de impacto.
O objetivo é criar e testar estruturas de pára-choques traseiros para caminhões.
“É necessário a sociedade tomar a frente do assunto, pois o governo não dá importância para o que acontece”, afirma Fabensmutler.
“Nem estatísticas são levantadas, pois revelariam o descaso.” O professor Celso Arruda, coordenador do Projeto Impacto, conta que a maior parte das mudanças foi sugerida pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Byron Bloch, coordenador da Underride Network, associação norte-americana de voluntários sobre o assunto, chama a atenção também para as batidas laterais. S
egundo ele, nos EUA, quase metade das fatalidades que envolvem caminhões resulta desse tipo de acidente.
“A indústria evita o assunto há mais de 30 anos”, afirma. “E as mortes continuam”, completa.
Todos os envolvidos no setor acham que as propostas de mudança em andamento terão outras implicações.
“O custo social será menor, pois esses acidentes deixam inválidas muitas pessoas da população economicamente ativa”, explica o professor Arruda, da Unicamp. “Pode demorar, mas o setor de transporte não vai escapar desse processo”, aposta Neuto dos Reis, da NTC.