Ilha de conforto e privacidade no meio do trânsito, o carro também vem se tornando alvo da violência. Saiba como agir – ou o que não fazer – diante de um acidente ou ameaça de assaltante
Guia de sobrevivência
Mesmo um motorista cuidadoso e cidadão consciente pode ver-se envolvido em uma situação crítica como acidente ou seqüestro.
Esse pequeno guia não garante imunidade a ninguém, mas as sugestões dos especialistas e uma certa dose de bom senso podem ajudar a evitar conseqüências mais graves.
Bons tempos aqueles em que dirigir defensivamente exigia só atenção ao comportamento de outros motoristas e a violência no trânsito restringia-se aos acidentes. Hoje, quem dirige por ruas, avenidas e estradas é obrigado a estar ainda mais atento.
Não há dados oficiais, no Brasil, sobre a violência dirigida especificamente a quem está em um carro.
Depois das “gangues da batida” nas grandes cidades, ou das pedras lançadas de viadutos nas estradas, o crime se sofisticou tanto quanto os automóveis.
Em ações envolvendo armamento pesado e muita ousadia, o ex-prefeito de Santo André, Celso Daniel, foi arrancado de um carro blindado e depois assassinado.
O publicitário Washington Olivetto também foi tirado de um veículo blindado, mas seu caso teve desfecho feliz, com a libertação após 53 dias.
Casos assim atraíram os holofotes para esse tipo de ataque e revelam que nem mesmo celebridades e autoridades estão livres do perigo.
Tentativa de assalto – Além de nunca reagir diante da abordagem de um assaltante, todos os especialistas sugerem que jamais se tente arrancar com o carro.
Movimentos bruscos também devem ser evitados. O consultor Lucas Blanco recomenda cautela na hora de entregar o que o bandido exige: “Sempre avise antes o que você vai fazer”, orienta.
“Se o dinheiro estiver no bolso, você deve falar: ‘Olha, o dinheiro está no bolso, posso pegar?’ O mesmo cuidado tem de ser tomado para qualquer objeto que o assaltante peça dentro do carro.”
A mistura da sensação de insegurança com a tarefa de dirigir é explosiva, diz o sociólogo Paulo Fragoso Montagnier: “A tendência é de um aumento de acidentes de trânsito.”
Montagnier, que prepara uma tese de mestrado na Universidade de Sorbonne, na França, sobre “distúrbios e tensões sociais”, afirma que “o motorista assustado fica ainda mais agressivo, seu instinto o leva a realizar manobras arriscadas, como passar o sinal vermelho ou ultrapassar os limites de velocidade, o que multiplica a possibilidade de acidentes.”
Não há muitas maneiras de combater a violência a não ser com policiamento ostensivo nas áreas de maior risco, afirma Montagnier.
“O crime procura brechas na atuação da polícia até achar seu espaço.” Citando como exemplo o que ocorre no Brasil, ele repete a teoria de que foi o aumento das ações de proteção a bancos e transporte de valores que levou os bandidos a procurar outras formas de atuação.
Além do seqüestro, passaram a agir em ruas e estradas, onde praticam os chamados “crimes da moda”, como seqüestros-relâmpago e abordagens a carros importados.
Como antídoto à situação, o instrutor Diógenes Dalle Lucca defende o princípio da “educação para segurança”.
De acordo com ele, é possível diminuir o risco de ser assaltado nos grandes centros urbanos, desde que pequenas atitudes sejam adotadas.
“O criminoso, de maneira geral, é um grande oportunista, sempre à espreita da melhor vítima”, afirma. O primeiro mandamento para o motorista, orienta, é a atenção: “Na maioria dos casos, as vítimas são pegas de surpresa, pois estão com o corpo no carro, mas a cabeça em qualquer outro lugar, menos no trânsito”, afirma o instrutor do Drive Training Protection, curso especializado da BMW.
Perseguição na estrada – Fugas milagrosas costumam dar certo apenas em cenas dos filmes de ação, mas na vida real dificilmente terminam bem, na opinião do instrutor Roberto Manzini.
Segundo ele, bandidos nunca utilizam só um veículo: “O motorista sempre estará em desvantagem. E para fazer manobras de despiste é preciso estar bem treinado, a fim de diminuir o risco de acidentes.”
Lucas Blanco lembra mais um motivo para recomendar cautela diante de uma abordagem por outro veículo: “Quando a vítima tenta escapar com o carro, para o bandido a pessoa está reagindo e ele não vai pensar duas vezes em atirar em qualquer parte do automóvel a fim de fazê-lo parar.”
De acordo com Blanco, para motoristas sem treinamento especializado, os riscos de uma rendição são consideravelmente menores do que tentar fugir.
Consultor de segurança na área empresarial, Lucas Blanco também aposta que algumas regras podem tirar o fator-surpresa do bandido.
Blanco trabalha para a Brasiliano e Associados, empresa com 12 anos no segmento e uma das pioneiras em tratar do tema segurança como especialização universitária, organizando cursos de pós-graduação com títulos como o MBS (Master Business Security).
Algumas de suas recomendações já são conhecidas, como travar as portas e não circular com vidros abertos. Outras exigem mudanças de hábito e condicionamento, como a escolha da faixa de rolamento ao parar no sinal vermelho.
De modo geral, afirma Blanco, tende-se a escolher uma faixa vazia ou com menos automóveis, o que nem sempre é a melhor alternativa.
O consultor sugere evitar a da esquerda, onde o motorista fica mais vulnerável a uma abordagem.
“A melhor faixa é a central, porque dificulta a movimentação do bandido e o deixa mais exposto.”
Lugares impróprios – Vale mais estragar de vez um pneu furado que se arriscar a uma substituição pelo estepe em um lugar ermo.
Especialistas sugerem que, diante da suspeita de uma pane no carro, é melhor fazer o possível para prosseguir até um posto de serviço ou área mais movimentada.
Outra sugestão de Blanco é manter distância de pelo menos meio carro em relação ao da frente: “Além de expor o assaltante, o motorista tem espaço para manobrar caso perceba alguma movimentação suspeita.”
Controlar a velocidade do carro antes do cruzamento, principalmente à noite, para evitar longas paradas, também é desejável. Mas, como Diógenes Lucca, Blanco lembra que esses pequenos cuidados não funcionam se a atenção faltar.
De acordo com o consultor, geralmente há sinais de que uma abordagem vai acontecer. Eles vão da aproximação de suspeitos até uma marca deixada no veículo que sirva de referência para um cúmplice que aguarda à frente.
“Boa parte dos veículos assaltados é marcada antes”, diz Blanco. Isso ocorre principalmente nas vias com vários semáforos em seqüência.
“Por isso, é imprescindível estar atento a toda movimentação de pedintes, vendedores ou simplesmente pessoas que passem ao lado do veículo.” Se houver alguma suspeita, orienta o especialista, a saída é usar um caminho alternativo.
Perseguição urbana – Se houver uma abordagem em movimento, a recomendação dos especialistas é para que os motoristas não tentem fugir.
Quem suspeita que está sendo perseguido, no entanto, tem uma chance de “escapar” se conhecer o caminho muito bem.
“É importante memorizar as delegacias, postos policiais e, ao mesmo tempo, os cruzamentos perigosos, os pontos de maior incidência de assaltos”, ensina o instrutor Diógenes Dalle Lucca. Ele sugere ainda evitar a repetição do percurso para o trabalho e para casa: isso atrapalha a tentativa do bandido de esquadrinhar a rotina de uma possível vítima.
Outra recomendação de Blanco é a discrição. Deve-se evitar a ostentação de correntes, relógios e anéis. Circular com o talão de cheques, cartões de crédito e muito dinheiro, nem pensar.
Segundo ele, a experiência mostra que, nesses casos, o bandido tende a prolongar os assaltos e seqüestros.
“Se o cara pega uma vítima que anda com vários cartões de crédito e um bom dinheiro na carteira, ele pensa: ‘Epa, aí tem mais, vou fazer a festa’.” Para o consultor, a orientação de andar só com o necessário e separar o “dinheiro do ladrão” na carteira deve ser seguida à risca.
Lucca ainda recomenda que o motorista controle informações sobre sua rotina, evitando colar adesivos de escolas ou academias de ginástica. E desaconselha placas de carro personalizadas: “Ao se deparar com uma placa BIA 1982 e o adesivo de uma instituição de ensino, o bandido presume que a pessoa se chama Beatriz, tem 20 anos e freqüenta tal escola”, explica.
O especialista sugere evitar a repetição dos percursos e ainda conhecer bem e planejar o itinerário, estudando os pontos seguros e os de risco. Sair e voltar de casa exige atenção:
“Quando estiver chegando em casa, dê uma volta a mais no quarteirão e preste atenção nas redondezas para ver se não há alguém em atitude suspeita.”
Acidentes graves – Levantamento do Departamento Nacional de Trânsito mostra que os desastres de carro estão entre as cinco principais causas de morte nas grandes cidades brasileiras.
Se você for envolvido em um acidente, o primeiro passo é dar toda a atenção possível à vítima, seja outro motorista ou pedestre.
“O abandono do local da ocorrência é considerado omissão de socorro e agrava a situação do responsável, em caso de processo”, afirma o advogado Fernando Gutierrez de Almeida.
O Código de Trânsito Brasileiro prevê detenção de seis meses a um ano ao envolvido que não prestar assistência à vítima. Mas ajudar não significa mexer nos feridos: “A primeira providência é acionar a equipe de resgate do Corpo de Bombeiros pelo 193”, diz Lucas Blanco.
A tentativa inadequada de remoção de um acidentado pode agravar os ferimentos. É possível verificar o grau de consciência do acidentado, o que auxilia os socorristas em uma primeira triagem no local da ocorrência.
Para isso, os Bombeiros recomendam uma série de perguntas simples, como o nome, a idade, se é solteiro ou casado. O boletim de ocorrência, nesses casos, é obrigatório.
As primeiras providências são tomadas no local do acidente, com o auxílio da Polícia Militar, que indica o distrito mais próximo e encaminha os envolvidos.
Apesar das medidas preventivas, o motorista nunca estará totalmente garantido contra tentativas de assalto. Nesse caso, a atitude correta é “não reagir”.
O instinto de toda pessoa em uma emergência, diz Lucca, é tentar se defender: “Mas é só depois de passar por momentos de risco de morte que as vítimas param para refletir que tiveram uma arma apontada para a cabeça. O mais importante não é o que o criminoso leva, mas o que ele deixa”, afirma.
O instrutor Roberto Manzini concorda, lembrando que algumas “soluções” adotadas por motoristas, como a de manter a primeira engatada em uma parada de farol, não são adequadas.
Desde 1998 Manzini dirige um centro de pilotagem em São Paulo voltado à direção preventiva, para pessoas em geral, e de especialização, para motoristas de empresas ou empresários.
Nas aulas, instrutores simulam cenas de violência urbana e sugerem respostas adequadas: “Manter a primeira engatada é uma grande besteira. Quando o bandido já está no seu vidro, não dá tempo para nada e a experiência mostra que o motorista leva a pior nesses casos.”
Se a pessoa se assustar com uma abordagem, o carro pode dar aquele soquinho e o perigo de o bandido reagir é maior, lembra Manzini.
Objeto contra o carro – Se o automóvel for danificado por obstáculos colocados na pista ou arremessados de viadutos ou passarelas, a sugestão de Roberto Manzini é prosseguir enquanto for possível.
“Não pare o carro, siga até onde puder”, diz o instrutor de pilotagem: “Não importa se o carro está com o pneu furado, se você não consegue passar dos 20 km/h, se o pára-brisa está quebrado. Se você conseguir, pare somente em um posto de auxílio ou próximo à Polícia Rodoviária.”
Quem circula por estradas também deve estar atento, na opinião de Blanco, que recomenda evitar viagens noturnas.
A maior parte das armadilhas preparadas por bandidos funciona à noite e conta com dois trunfos: a piora das condições de visibilidade para o motorista e a diminuição do volume de tráfego.
De acordo com os Comandos de Policiamento Rodoviário Estadual e Federal, a ocorrência mais comum contra carros é a colocação de obstáculos na pista ou de objetos atirados de passarelas e beiras de estrada.
De acordo com Blanco, a vulnerabilidade nas rodovias é ainda maior do que nas cidades. “Os postos policiais e os centros de apoio distam quilômetros um do outro, limitando os recursos de prevenção.”
Nesse caso, a recomendação é que o motorista faça uma espécie de gerenciamento de risco.
Escolher o horário da viagem, pensar em rotas alternativas, informar-se dos pontos de maior risco e saber quais são e onde ficam os principais postos e telefones de auxílio são algumas das atitudes que podem melhorar as condições de segurança.
Seqüestro-relâmpago – Um dos pesadelos urbanos da atualidade tornou-se real: o inimigo está dentro de seu carro.
O comportamento da vítima e a relação com a pessoa que a domina é o ponto-chave, na opinião de Lucas Blanco, para que tudo termine sem conseqüências graves. Humildade é a palavra certa, segundo ele: “Evite olhar diretamente ou encarar o bandido, pois ele não quer ser reconhecido e pode se sentir intimidado. E nunca é demais tratá-lo de senhor.” Não se trata de nenhuma dica de etiqueta, justifica Blanco, mas uma demonstração de que você sabe que o controle está com o bandido e se dispõe a colaborar. Conversar com o seqüestrador exige sensibilidade.
A vítima precisa avaliar o momento certo de tentar o diálogo. “Se o bandido estiver calmo desde o início, ótimo”, afirma o consultor.
“Deixe claro que você vai cooperar.” Caso contrário, a idéia é conquistar aos poucos a confiança, esperar o momento certo para falar, sempre com um tom de voz ameno. Demonstrar nervosismo para um bandido exaltado não é recomendável, pois ele tende a reagir com mais violência. Outra recomendação, para os casos em que a vítima é mantida na direção do carro: evitar as manobras bruscas e sempre pedir orientação do caminho e procedimentos a seguir.
“É importante que o bandido tenha a impressão de que está no comando total da situação”, afirma Beto Manzini.