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*Marcos Pontes – “O mais importante é a segurança!” Alguém discorda? Uma coisa é certa. Todo acidente aéreo nos impressiona e entristece.

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A perda de tantas vidas, de uma só vez, é sempre um fato duro, marcante. Tenho trabalhado na área de prevenção e investigação de acidentes por quase duas décadas.

Durante todo esse tempo testemunhei muitas coisas. Aprendi muitas coisas. Segurança de vôo é assim. É necessário um trabalho contínuo.

Uma estrutura delicada, construída dia-a-dia. No contato com a tripulação, funcionários, passageiros, operadores, mecânicos, engenheiros, administração, etc.

Um equilíbrio muito fino. Algo de confiança e respeito. O sistema de segurança de vôo é um sistema baseado em confiança mútua. Uma organização que precisa de todos. Um sistema delicado.

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A confiança, tão essencial, pode desmoronar a qualquer momento se algum dos participantes, aqueles que têm “a mão na massa”, sente-se ameaçado e deixa de contribuir com suas informações.

É essencial a compreensão e a disposição de cada um em relatar para o sistema de segurança, e para todos, algumas vezes, a observação de algum fato isolado ocorrido com ele ou com ela.

Algo que não resultou em um acidente ou incidente, mas que poderia, potencialmente, contribuir para um deles. Essa contribuição individual e espontânea é extremamente importante para evitarmos acidentes.

É essencial para a segurança de todos. A cada ocorrência, seja um simples incidente relatado ou um acidente consumado, aprendemos alguma coisa. O que é frustrante é que sempre existe a possibilidade de um novo evento fatal.

Os riscos nunca serão nulos. Contudo, a cada nova descoberta, nos aproximamos assintoticamente desse ideal.

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Inicialmente observe que todo acidente ocorre por uma sequência não provável de eventos.

Imagine isso como o alinhamento simultâneo de furos em várias folhas de papel diferentes. Algumas vezes, um evento induz a outro. Outras vezes não.

Pura coincidência infeliz. Assim, fica claro que um acidente, resultado final desse alinhamento de fatos, poderia ser evitado se pudéssemos eliminar, ou mesmo adiar por alguns segundos em alguns casos, um desses fatores coincidentes. A prevenção preocupa-se com esses alinhamentos infelizes.

Esforça-se muito. Contudo, eventualmente um acidente acontece. Entramos na investigação. Imediatamente após o acidente, os “participantes” dividem-se em três grupos distintos, com interesses e visões diferentes: a instituição ou empresa, o sistema de segurança de vôo e as vítimas. No meio desse triângulo, “as causas”.

Cada grupo as vê de um ponto de vista diferente, com interpretações às vezes conflitantes. Conhecido o delicado equilíbrio do sistema de segurança de vôo, é evidente a necessidade de muito cuidado técnico e diplomático ao se tratar da investigação de um acidente.

Não se pode esquecer e deve-se respeitar o interesse de cada parte, porém deve-se também ser lembrado que o acidente investigado não encerra as operações. Haverá novos vôos, novas possibilidades de acidentes, muitas possíveis vítimas a serem salvas.

A prevenção forte é a chave disso. Esquecer dela durante a investigação de um acidente é condenar muita gente ao mesmo destino trágico.

Isso, com certeza não é bom para nenhum lado. Certamente ninguém quer que um acidente aconteça, e todas as partes compartilham a dor das vítimas.

Porém, uma vez que o mesmo tenha ocorrido, alguns pontos de interpretação conflitantes surgem a partir da “construção” do “triângulo das partes”.

A instituição ou empresa proprietária da aeronave, sendo responsável legal pela segurança dos ocupantes durante a sua operação, e tendo que continuar com as suas atividades aéreas, vê o acidente sob os aspectos das perdas materiais e da necessidade de manutenção da sua imagem pública.

Isso implica em responder de modo correto às vítimas e colaborar completamente com o sistema de segurança de vôo para evitar que o evento se repita. Isso é também parte importante de seu interesse.

Afinal, cada acidente representa, em última instância, aumento de gastos e redução de lucros. Evitá-los é sempre o melhor caminho.

Portanto, a investigação das causas, do ponto de vista da instituição ou empresa, é uma maneira de se descobrir o que aconteceu de errado e, assim descobrir o que fazer para tornar as operações mais seguras e eficientes.

Descobrir “culpados” e puní-los pode até ter interesses imediatos de aliviar cargas legais sobre a empresa e, de certa forma, ajudar no trato do primeiro impacto de imagem junto ao público, especialmente aqueles ligados às vítimas, ainda abalados com as perdas de entes queridos.

Contudo, certamente apontar “culpados” não tem nenhum efeito favorável para o sistema de segurança de vôo.

Aliás, é sempre necessário que a investigação, ou inquérito policial, com finalidade legal de buscar “culpados” seja completamente separada e independente da investigação feita pelo sistema de segurança de vôo.

É necessário que o sistema judiciário compreenda muito bem o delicado equilíbrio baseado em confiança mútua que existe na área de segurança.

A punição de qualquer tripulante ou operador baseado em uma investigação técnica de segurança pode destruir rapidamente essa confiança tão díficil de se conseguir em anos de trabalho.

Resolve o “problema” de se achar “culpados” para um acidente, e mascara causas de muitos outros, possivelmente até maiores, no futuro.

A parte das vítimas é frágil. A perda de pessoas queridas faz com que seus representantes tornem-se fragilizados e vulneráveis.

É necessário protegê-los do assédio sensacionalista e sem coração das manchetes vermelhas, assim como dos aproveitadores que “circulam” sobre suas cabeças.

No relacionamento com as outras partes, é dever do estado e da empresa tratá-los com o respeito necessário, e dever de todos o entendimento da dor e dos transtornos que a perda de um pessoa causa na estrutura emocional, organizacional e financeira de uma família. Para as vítimas, a investigação tem, inicialmente, um caráter forte de “busca de culpados”.

Depois, passado o grande impacto inicial da perda, o pensamento se volta em evitar que, no futuro, outras pessoas também tenham que passar por todas essa dor e dificuldades.

O amor e a solidariedade do ser humano fala mais alto dentro de seus corações e os objetivos do sistema de segurança de vôo, em evitar outros acidentes semelhantes, passam a fazer sentido, alinham-se com os seus.

Para o sistema de segurança de vôo, a empresa e as vítimas são partes que devem ser satisfeitas em seus interesses comuns: descobrir as causas e evitar novos acidentes.

Investigar acidentes nunca é uma tarefa fácil, em todos os sentidos da expressão.

Mas é uma função extremamente importante para termos operações cada vez mais seguras. Prevenir acidentes: todos nós somos responsáveis por essa parte. Seja como for. Qualquer contribuição é importante.

Seja apoiando o sistema, seja no consolo e informação das partes, seja na conscientização de todos com respeito aos objetivos de uma investigação, seja lá como for. Você pode fazer alguma coisa para ajudar! Afinal, “o mais importante é, sempre, a segurança!”

*MARCOS PONTES – Natural de Bauru (SP), Pontes é mestre em Engenharia de Sistemas, graduado pela Naval Postgraduate School (Monterey, CA). Iniciou sua carreira profissional aos 14 anos como aluno do SENAI e eletricista aprendiz da RFFSA.

Ingressou na Academia da Força Aérea em 1981, permanecendo nos Esquadrões de Caça até 1988 com a qualificação de instrutor e líder de esquadrilha. É engenheiro aeronáutico, formado pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).

Atuou como piloto de provas de aeronaves pelo Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), em várias campanhas de ensaios, incluindo o primeiro míssil ar-ar brasileiro.

Conta com mais de 2.000 horas de vôo em 25 tipos de aeronaves, incluindo F-15, F-16, F-18, e MIG-29.

Tem experiência de 16 anos na área de segurança de vôo, trabalhando em diversas campanhas de prevenção e investigação de acidentes aeronáuticos, incluindo o ônibus espacial Columbia.

O tenente coronel Marcos Pontes foi selecionado pela Agência Espacial Brasileira (AEB), em julho de 1998, para representar o Brasil como astronauta no projeto da Estação Espacial Internacional (ISS) junto a 15 outros países.

O treinamento para astronautas foi realizado pela NASA, em Johnson Space Center, Houston,Texas.

Em dezembro de 2000, Marcos Pontes concluiu com sucesso o curso de astronauta e foi declarado oficialmente, pela Agência Americana, o primeiro astronauta brasileiro.

A partir daquela data, permaneceu em treinamento de prontidão operacional, aguardando escalação para vôo espacial, no quadro de astronautas da NASA.

Em 30 de março de 2006, Pontes decolou da base de lançamento de Baikonur, no Cazaquistão, para realizar a primeira missão espacial da história do Brasil.

Juntamente com o astronauta brasileiro, a bordo do foguete Russo Soyuz TMA 8, seguiram o cosmonauta russo Pavel V. Vinogradov, o astronauta americano Jeffrey N. Williams e 08 experimentos brasileiros para serem executados em ambiente de microgravidade a bordo da ISS.

Em 09 de abril de 2006, Pontes retornou à Terra tornando-se o 1º cosmonauta brasileiro a orbitar o planeta.

Pontes, atualmente, continua na NASA Johnson Space Center, em Houston, Texas, utilizando sua experiência de mais de 8 anos de conhecimento técnico e de relações internacionais no programa da Estação Espacial Internacional para ser um elemento de articulação em prol do Programa Espacial Brasileiro nas conversações entre a NASA, o SENAI-SP/FIESP e a AEB.

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