Olivier Girard *
É de se esperar que haja uma crise nos próximos dois anos no sistema de financiamento de veículos novos e usados no Brasil na mesma amplitude verificada no mercado imobiliário americano e que vem afetando o mercado mundial.
Porém, para entendermos o que poderá acontecer neste setor, primeiro precisamos entender a base do que está acontecendo no mercado nesses últimos anos.
O mercado automobilístico brasileiro vem apresentando seguidos recordes de venda no mercado interno.
Nem a valorização do real e a conseqüente queda nas exportações têm tirado o sorriso do rosto dos donos de concessionárias. E o principal motivo desta alegria toda tem sido o acesso ao crédito conseguido pela classe média nos últimos anos.
Nunca foi tão fácil adquirir um automóvel no Brasil: sem entrada, primeira parcela depois de três meses, e mais de 60 parcelas baixíssimas para pagar. Mas a própria fonte da alegria pode ser o principal motivo para a preocupação de amanhã.
O acesso ao crédito não está limitado ao setor automobilístico e se espalha pelos diversos setores de consumo, como televisões de LCD, geladeiras, celulares 3G, tocadores de MP3, DVDs, computadores pessoais, laptops, todos podendo ser comprados em suaves e inúmeras prestações. Isto sem falar no sonho da casa própria.
O consumidor brasileiro começa a acumular financiamento sobre financiamento: R$ 100 mensais para a geladeira, R$ 150 para a TV LCD, R$ 50 para o celular, R$ 500 para o carro, etc… No final do dia, boa parte da renda está comprometida no pagamento de prestações de diversos financiamentos.
Como já foi dito, comprar um carro é facílimo no Brasil. Só que as pessoas esquecem que após adquirir um veículo, é preciso, além de pagar as prestações, gastar com o combustível, o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores), o licenciamento, o seguro obrigatório, dentre outros itens de manutenção preventiva, como a troca de óleo e filtros.
Isto sem falar no seguro que consome até 6% do valor do carro anualmente e que por este motivo é pouco freqüente na frota brasileira. Será que esse consumidor sem seguro cujo carro foi roubado e/ou acidentado continuará a pagar por mais cinco anos a prestação do veículo que ele não possui mais?
Fica fácil prever o resultado deste processo nos próximos dois anos: o cheiro da inadimplência vai ficando cada vez mais forte no mercado. Caso esta se confirme, a financeira pode recuperar o veículo. Mas nem isto é fator de segurança para o mercado.
De fato, se a inadimplência aumentar drasticamente, estas financeiras ficarão com um grande estoque de carros usados para serem vendidos. A única solução será a promoção de leilões coletivos e/ou a venda a preços bem abaixo do mercado.
O primeiro mercado a sofrer será o de usados, que verá o valor de seus estoques sofrer uma grande desvalorização.
E se ficar mais barato comprar um usado, o ímpeto por comprar um novo será bastante reduzido, o que deverá levar a espalhar a crise no setor automobilístico para o mercado de novos. Nesta altura, o dono da concessionária talvez já não esteja sorrindo mais.
A crise americana demorou sete anos para estourar. A previsão do estouro da “bolha” do financiamento de crédito de veículos no Brasil está bem próxima, já que o aumento do crédito para este tipo de bem já perdura por cerca de quatro anos.
- Olivier Girard é diretor de Transporte, Infraestrutura e Logística da
Trevisan Consultoria e especialista no setor automobilístico.
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