Por Roberto Nasser – Visões machistas separam os automóveis e a mulheres. Dizem-nas sem compromisso com o uso, desconhecedoras do funcionamento. Entretanto, e talvez pelo desconhecimento e inexistência de tal preconceito ao final do Século XIX, é bom lembrar nestes dias de comemoração às mulheres que, se Dona Berta Benz tão tivesse praticado, cometido, o ato de independência: fazer, dirigindo, a primeira viagem de automóvel, a história do objeto mais importante do Século XX teria sido diferente.
Foi assim. Dona Berta era casada com Karl Frederich Benz, engenheiro, produtor de motores a gás, e tenaz perseguidor da ideia de fazer carruagens com motor. Conseguiu, patenteou, mas as reações da população, prefeitura e polícia de Manhein contra o funcionar da máquina, assustando animais e pessoas com seu barulho e fumaça, proibiram-na de circular. O objeto do sonho e orgulho pela invenção, foi imobilizado pela ignorância.
A invenção de Benz, o primeiro registro de patente para veículo a motor, poderia ter-se perdido por abandono na cocheira da família, não fosse Dona Berta, então aos 33 anos naquela nascer do amanhã em agosto de 1888. Difícil ver o sonho de toda a família e o produto de tanta dedicação encostado na cocheira. O Patent Motor Wagen estava ali, em semi abandono, há quase três anos. Decidiu-se ir à casa de seus pais, em Pforzheim, a distantes 120 km, via Floresta Negra.
Ao nascer a manhã com dois de seus quatro filhos, Eugen, 15, e Richard, 13, tiraram o pioneiro veículo da cocheira e o empurraram a distância segura, evitando o ruído do funcionar do motor não acordasse o patriarca Benz. Os três puxaram com vigor a grande polia horizontal, fazendo o motor funcionar. Dona Berta e os pequenos Benz iniciaram a primeira viagem em veículo movido por motor de combustão interna. O efeito demonstração aos pais, sempre socorrendo a sobrevivência dos Benz, virou história.
A viagem – A charrete sem varais e sem cavalo, com uma roda dianteira comandada por haste metálica, leve, estrutura metálica e rodas raiadas como bicicletas, era equipada com pequeno motor monocilíndrico, 900 cm3 e 3 de hp, pesando 96 kg. Em conta simples, deslocar seu peso acrescido de Da. Berta, Eugen e Richard, equivaleria a grosso modo, e para se manter na consequência desta viagem, mover um grande caminhão Mercedes com um motorzinho do Smart.
Embicaram a Pforzheim. A viagem, na linguagem popular seria um cala-boca, aos pais, financiadores sempre críticos, polícia e das pessoas contrárias ao transporte sem tração a sangue ou vapor. E mostrar, a invenção do engenheiro Benz, daria autonomia superior a cavalos e charretes.
Na prática foi mais: teste e oportunidade a novos negócios e instituições. Descobriram, por exemplo, ser o motorzinho fraco. Nas subidas, após Heildelberg, com Richard ao comando da direção e da alavanca comandando a cinta de transmissão, Da. Berta e Richard empurravam. Outro desenvolvimento foi aumentar a capacidade do sistema de refrigeração. O Patent exigia completar água a cada 20 km. Idem para o sistema de freio, mecânico, por abrasão. Dona Berta pediu a um sapateiro para revesti-la em couro, melhorando a eficiência.
Percebeu-se, também, a necessidade de lugares para vender o combustível Ligroin, um limpador doméstico vendido em farmácias – todo farmacêutico seria, em futuro próximo, o dono do posto de gasolina…
A corrente de bicicleta colocada como transmissora de movimento, mostrou-se fraca. Quebrada, exigiu caminhada dos meninos a um ferreiro refazer um elo. Era o primeiro mecânico de estrada, capaz de improvisar.
Outro tropeço, o motor morre e descobre-se não passar Ligroin pelo arremedo de carburador, permeando um ajuntamento de fibras. Dona Berta resolveu com o alfinete do chapéu, e logo usou uma liga das meias para a função de mola.
À noite, descendo o morro, a barulhenta novidade foi interceptada pela Polícia, mas acompanhou-os ao Correio, aberto para passar um telegrama tranquilizador a Benz, e à casa da família. No total, ida e volta foram 194 km, e hoje a estrada, em reverência, se chama Berta Benz Memorial Route.
Depois – O efeito-demonstração obteve larga cobertura jornalística no percurso, e necessário resultado. Era um meio de transporte, fácil de conduzir – uma senhora poderia faze-lo –, era útil, ia muito mais longe que cavalos e charretes.
Benz focou melhor o negócio e aproveitou as observações dos pilotos de teste. Um mês depois tinha pronto outro automóvel para a Exposição de Máquinas e Motores de Força e Trabalho, em Munique.
Pela insólita invenção volta para casa com a Grande Medalha de Ouro e encomendas. Começou aí. O resto, você sabe. Ou, se quiser desprezar todas as consequências paralelas ao ato, incluindo o desenvolvimento tecnológico levando à criação do avião e das experiências interplanetárias, forçosamente chegará a outra via, óbvia e simplória: nada como somar uma mulher peituda, dois meninos em férias com a criação de um engenheiro brilhante e obter resultado nunca imaginado, a entrada em uma nova era.