“Ih!… Blitz…” – é com uma expressão de surpresa e apreensão que a maioria dos motoristas reage ao se deparar com uma blitz policial no meio da rua. Afinal, como os critérios de seleção dos veículos para serem vistoriados são em parte subjetivos, fica difícil prever quais serão os escolhidos para uma revista – situação desagradável mesmo para quem não deve nada a ninguém. É justamente por isso que as reclamações de racismo ou qualquer outro preconceito durantes essas operações não são raras.
Um jornal do Rio de Janeiro informou que um músico carioca, negro, desistiu de andar de carro depois que foi parado quatro vezes em um só dia – duas vezes no Rio e duas em Niterói. A mesma indignação sentiu um promotor de Justiça, no ano passado. Ele viajava num táxi quando foi parado numa barreira policial, em Copacabana, sob a alegação de se tratar de um veículo suspeito. No entanto, somente ele, que também é negro, foi revistado. Depois deste episódio, o promotor pediu explicações sobre o procedimento dos policiais durantes essas operações de trânsito. A conclusão do inquérito instaurado no 19º BPM (Copacabana) foi de que os policiais não se dirigiram a ele de forma desrespeitosa ou discriminatória.
– Fiz a denúncia e também procurei saber como aqueles policiais eram orientados para agir nessas barreiras. A questão é que não concordo justamente com as instruções passadas a eles por seus superiores. Elas também se baseiam em aparências, como na antropologia criminal do século XVII – critica o promotor, que é professor de Processo Penal da Universidade Cândido Mendes.
Rangel, o promotor, tirou suas conclusões ao ler a nota de instrução 007 de 1993, um documento da Polícia Militar que estabelece as normas de conduta do policial nas blitz de trânsito. De acordo com a nota, o procedimento mais adequado é realizar primeiro a revista nos passageiros do táxi, especialmente quando há apenas um ocupante além do motorista. Logo, o promotor ter sido prontamente revistado não teve – segundo a polícia – nenhuma relação com o fato de ele ser negro.
– Pelo menos, este acontecimento levou ao comandante do batalhão promover uma semana de discussões a respeito do assunto com sua equipe. Acho que os procedimentos precisam ser revistos, até para dar mais confiança aos motoristas – completa Rangel.
Segundo o tenente-coronel da Polícia Militar Luís Antônio da Costa, as orientações da nota de instrução são indicações de tudo o que é ensinado no treinamento dado aos policiais na academia, mas uma outra parte depende da experiência de cada profissional. Por isso, segundo o coronel, é fundamental que um agente experiente esteja à frente da triagem de veículos numa blitz.
– Uma pessoa que saltar correndo do carro, jogar algo pela janela ou fugir da blitz de marcha a ré, por exemplo, estará cometendo uma atitude suspeita bem evidente. No entanto, um profissional com bagagem sabe identificar as condutas suspeitas menos explícitas, como fingir que está dormindo ou aparentar um nervosismo fora do normal –
explica o coronel.
Para o advogado Flávio S. B., de 24 anos – que também é negro – é difícil distinguir as situações rotineiras das ocasiões em que o policial age de má fé.
– Não acho que quando sou parado em blitz é por causa da minha cor. Mas admito que fiquei chateado quando estava em um Frescão cheio de gente e eu fui o primeiro e único a ser revistado pelo policial. Acho que o preconceito existe na maioria das pessoas, de qualquer profissão, inclusive nos policiais -diz.
Critérios são os mesmos para polícias civil e militar
Na Polícia Civil as regras para abordagem de um veículo em uma blitz investigativa também não são fixas. De acordo com o delegado da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), Marcio Franco, existe uma série de critérios para classificar um veículo (ou uma pessoa) como suspeito, mas nenhum deles tem validade isoladamente.
– Temos que levar em conta o local e o horário da operação, a quantidade de pessoas no carro, se há mulheres e até mesmo a fisionomia das pessoas. Por exemplo, sabemos que os bandidos costumam estar com outros comparsas no carro, e por isso, prestamos atenção quando há um veículo lotado. Mas se no carro estiver uma mulher com crianças, perto de uma área residencial, já não há motivo para suspeita – explica o delegado.
A nota de instrução da PM para identificação de possíveis suspeitos também inclui “pessoas com traços fisionômicos semelhantes aos dos marginais que atuam em nosso estado”. E como o perfil da população carcerária fluminense não se destaca pelo número de mulheres, neste caso, elas podem até levar vantagem na hora das blitze. Essa também é a teoria de Sônia Fillardis, mãe da atriz e musa negra Isabel Fillardis. Dona Sônia costuma levar no carro suas duas filhas e o filho mais novo, de 18 anos, e nunca teve problemas com blitz. Mas ela admite que tem receio em deixar seu caçula dirigir sozinho quando tirar a carteira de motorista.
– Sou negra e nunca sofri preconceitos por parte da polícia em blitz ou coisa parecida. Acho que ser mulher também ajuda porque não desperta suspeita. Mas sei que existe preconceito em todas as camadas da sociedade e vou tentar evitar que meu filho, que está louco para tirar carteira, dirija antes de completar 21 anos – conta.
Como proceder em uma blitz
*A orientação das polícias Civil e Militar é que uma blitz seja realizada com pelo menos duas viaturas. Os policiais devem estar devidamente uniformizados e as viaturas bem identificadas e com o giroscópio aceso
*Se a blitz for à noite, o motorista não deve usar os faróis, apenas a lanterna
*Também à noite, é aconselhável acender a luz interna do veículo para facilitar a visão dos policiais
*Ao passar em frente à blitz, o motorista deve dirigir em baixa velocidade
*Obedecer à indicação do policial para encostar o veículo e desligar o motor
*Não se precipitar. Muitas vezes no intuito de ajudar ou apressar o procedimento da operação, a ansiedade do motorista pode atrapalhar o policial ou mesmo transparecer uma atitude suspeita
*A recomendação policial é que o motorista e os passageiros mantenham as mãos visíveis e evitem movimentos bruscos
*Se julgar necessário, o policial pode fazer uma revista pessoal nos ocupantes do veículo, o que é previsto na lei. Quem se recusar a ser revistado pode ser detido por desobediência, resistência ou desacato à autoridade.
*Também se julgar necessário, o policial pode realizar uma busca no veículo. No entanto, uma vistoria detalhada costuma ser a última etapa de uma blitz e segundo o delegado Marcio Franco, da Core, na maioria das vezes, a revista no veículo só é feita se houver uma forte suspeita por parte dos policiais
*Em caso de revista do veículo, é fundamental que o motorista acompanhe-a atentamente. Neste caso, os próprios policiais são orientados a chamar o motorista na hora da revista
*As reclamações em relação as blitzes feitas pela PM devem ser registradas no Batalhão Operacional da Área onde ocorreu a operação. Em caso de blitz da polícia civil, o motorista deve se dirigir à Corregedoria da Polícia Civil do estado.