Empresas de ônibus pagam multa de valor até 13 vezes menor do que pagam os motoristas em geral no Estado de São Paulo
As multas aplicadas pela ARTESP – Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo, nas empresas de ônibus de linhas intermunicipais ou que realizam viagens de turismo ou fretamento, é de valor até 13 vezes menor do que as aplicadas aos motoristas em geral, por motivos semelhantes, tendo como base o Código de Trânsito Brasileiro.
Ontem, quarta-feira, a ARTESP publicou no Diário Oficial de São Paulo 1.060 multas aplicadas contra 182 empresas de ônibus, que, na maioria dos casos descumpriram os Decretos 29.912 e 29.913 de 12 de maio de 1989, que regem o transporte de passageiros no Estado.
O total que deverá ser arrecadado com as multas é de R$ 46.383,79. A média por multa é de R$ 43,75.
A maioria das multas publicadas ontem é baseada nos decretos mencionados, poucos casos fundamentados em portarias da ARTESP, com valores um pouco maiores.
Enquanto os decretos que regem o transporte coletivo, no Estado de São Paulo, prevêem multas para as empresas de ônibus que variam de R$ 7,12 até R$ 56,92 o motorista em geral pode ser multado de R$ 53,20 até R$ 957,70 pelo Código de Trânsito Brasileiro, por infrações semelhantes.
Perdendo entre 3 e 7 pontos, conforme a gravidade da multa e até a carteira, em casos extremos.
Na avaliação do Promotor da Cidadania, Saad Mazloum, do Ministério Público de São Paulo, que está investigando várias irregularidades no transporte intermunicipal de passageiros, o baixo valor das multas “estimula as más empresas a transgredir a norma”.
Segundo o promotor, empresas que são multadas várias vezes pela mesma razão podem perder a concessão.
COMPARAÇÃO COM MULTAS DOS MOTORISTAS – Observando o Código de Trânsito Brasileiro, percebe-se que o motorista comum, no Estado de São Paulo, não é tratado com a mesma complacência pelos órgãos que fiscalizam o trânsito.
Isto fica evidente no artigo 195 do CTB comparando as multas aplicadas pela ARTESP àquelas das empresas por motivos semelhantes. Diz o CTB: Art. 195.
Desobedecer às ordens emanadas da autoridade competente de trânsito ou de seus agentes: Infração – grave; Penalidade – multa. Segundo o Detran de São Paulo, a multa grave é de R$ 127, 69 e perda de cinco pontos na carteira.
Nos últimos dois meses 82 empresas de ônibus foram multadas pela ARTESP por “Desobediência a ação da fiscalização deixando de atender a notificação…” nesse caso a multa prevista pela ARTESP foi de R$ 9,96. Quase 13 vezes menos do que pagam os motoristas.
Sendo que, no caso de 5 multas pelo mesmo artigo 195 o motorista perde a carteira. No caso das empresas podem ser aplicadas milhares de multas e não perdem a concessão da linha, na interpretação atual da agência.
EXCESSO DE VELOCIDADE GERA MULTA PARA MOTORISTA PARA EMPRESAS APENAS NOTIFICAÇÃO COM PEDIDO CURIOSO – No dia 16 de dezembro de 2006, a ARTESP publicou no Diário Oficial um alerta para 41 empresas informando que seus motoristas estavam trafegando em excesso de velocidade, ao analisar os discos diagrama do tacógrafo, que permitem identificar a velocidade, distância percorrida e tempo de direção. Os termos da notificação, publicada no Diário Oficial de 16 de dezembro, são curiosos:
“Constatamos números de picos, que representam as quantidades de vezes em que o veículo ultrapassou a velocidade máxima tolerada, solicitamos providências cabíveis junto às corporações de motoristas, visando corrigir a prática desse procedimento contraditório”.
O tratamento diferenciado fica evidente, comparando qual seria a providência adotada pelo DER ou Polícia Rodoviária Estadual, caso uma empresa que tenha uma frota com vendedores e na qual muitos fossem flagrados por radares ou outros sistemas, que comprovassem excesso de velocidade.
Nesse caso, a empresa jamais receberia uma comunicação pedindo para que tomasse providências junto aos motoristas “visando corrigir a prática desse procedimento contraditório”.
Simplesmente, receberia as multas e teria que identificar os motoristas, que poderão ter até suspenso o direito de dirigir, caso superem os 20 pontos.
A ARTESP justifica que os baixos valores das multas são baseados na legislação de transporte e dependem de alteração na legislação.
Entretanto, no caso do excesso de velocidade comprovado, caso aplicasse multa prevista no art. 113, inciso VI, alínea e, que diz: ” motorista dirigir o veículo pondo em risco a segurança ou comprometendo o conforto dos passageiros”; conforme previsto na legislação de transporte, teria que cassar a concessão da empresa no caso a mesma multa fosse aplicada quatro vezes, no período de um ano, baseado no mesmo artigo.
Segundo ainda o Promotor Saad Mazloum, a ARTESP deveria ser muito mais rigorosa com as empresas, inclusive porque estão transportando muitas vezes mais de 50 passageiros e um acidente com ônibus pode provocar grande número de vítimas.
“No nosso entender está havendo uma interpretação equivocada do dispositivo da lei que deve ser aplicado e vamos questionar isso junto a ARTESP”.
A ARTESP somente solicitou os discos diagrama, depois que foi obrigada pelo Ministério Público de São Paulo, mais precisamente pela Promotoria da Cidadania, que constatou a prática habitual do excesso de velocidade dos ônibus, inclusive num acidente em que morreram 32 pessoas, envolvendo dois ônibus da mesma empresa, sendo um deles a 122 km/h onde o limite era de 80 km/h.
Para o Promotor Saad Mazloum, a ARTESP deveria ser muito mais rigorosa com as empresas, inclusive porque estão transportando muitas vezes mais de 50 passageiros e um acidente com ônibus provoca grande número de vítimas.
Quando ouvido pelo promotor, em 02 de agosto de 2006, o Diretor Geral da ARTESP a respeito do excesso de velocidade, denunciado por um jornal de repercussão nacional, informou: “se os veículos da empresa trafegassem, como indica o jornalista, em velocidades superiores ás regulamentares, por certo seriam flagrados pelos radares”.
A mesma empresa denunciada pelo jornal, junto com outras 40 foi advertida pela ARTESP por seus motoristas estarem trafegando em excesso de velocidade, poucos meses depois.
Após análise dos discos diagrama feita por determinação do Ministério Público, que comprovou que o excesso de velocidade ocorria em praticamente todas as viagens.
O mesmo disco diagrama que muitas empresas não querem entregar agora.
ARTESP NÃO GANHA NADA NAS MULTAS APLICADAS POR ELA, MAS RECEBE COMISSÃO EM MULTAS DE AGÊNCIA FEDERAL – Outra alegação da ARTESP é a falta de fiscais.
Curiosamente ela estabeleceu convênio com a ANTT – Agência Nacional de Transportes Terrestres, para fiscalizar as linhas interestaduais, recebendo 60% do valor das multas aplicadas.
Algumas multas federais chegam a quase R$ 4.000,00, garantindo comissão de R$ 2.400,00. Com 20 multas dessas a ARTESP garante a mesma receita que obteve com as 1.060 aplicadas ontem usando a legislação estadual.
Com a diferença de que as multas aplicadas no transporte intermunicipal não entram nos cofres da ARTESP, vão para o DER-SP. Já as do convênio com a ANTT iriam para os cofres da agência.
Portanto, apesar de alegar ter poucos fiscais, a ARTESP assumiu a responsabilidade adicional de fiscalizar linhas federais, de responsabilidade da ANTT.
EMPRESA NÃO FAZ O QUE A ARTESP DIZ QUE FAZ – Na rodoviária do Tietê empresas realizam viagens que são proibidas pela ARTESP, sem que a fiscalização reprima.
Apesar da Portaria 9, de 2005 da própria ARTESP proibir viagens com mais de 170 km sem parada obrigatória, as empresas que realizam viagens entre São Paulo e Ribeirão Preto, mantém cartaz divulgando seus horários sem parada, em plena Rodoviária do Tietê, em São Paulo.
No mesmo andar em que a ARTESP possui sala com fiscais, que passam diariamente em frente do guichê da empresa.
A multa aplicada por descumprir a Portaria 9 é de R$ 7,12, também baseada em interpretação generosa da legislação feita pela ARTESP. No entendimento do Promotor Mazloum a ARTESP precisa rever o artigo em que estão sendo enquadradas as empresas que operam as viagens sem parada.
A Portaria 9, foi criada para garantir o conforto e segurança dos passageiros e motorista, criando a parada obrigatória, de pelo menos 20 minutos, para viagens com mais de 170 km.
Dia a portaria: “Considerando o conforto dos passageiros e a necessidade de um descanso mínimo na jornada de trabalho para os condutores que operam linhas Rodoviárias Intermunicipais, objetivando ainda os fatores de segurança a que se obriga o Poder Concedente”.
O Decreto 29.913, que regula o transporte intermunicipal, no artigo 113, Inciso VI, prevê multa de 400% do MVR (equivalente a R$ 56,92) quando:
e) o motorista dirigir o veículo pondo em risco a segurança ou comprometendo o conforto dos passageiros;
Quatro multas aplicadas baseadas nesse inciso implicam na cassação do direito de operar a linha. Nesse caso, a ARTESP estaria atingindo o interesse de grandes empresas do setor.
A agência preferiu enquadrar no artigo 114, do mesmo decreto, conforme multa publicada no Diário Oficial de São Paulo:
Artigo 114 – As infrações de normas deste Regulamento para quais não hajam sido previstas penalidades específicas serão punidas com multa no valor de 50% (cinqüenta por cento) do valor do MVR.
O MVR – Maior Valor de Referência é a UFESP, que vale R$ 14,23 em 2007, logo a multa de R$ 7,12.
No dia 13 de fevereiro, o Diretor Geral da ARTESP, Ulysses Carraro, compareceu ao Ministério Público para prestar esclarecimentos ao Promotor Saad Mazloum.
Na ocasião, o Diretor da ARTESP, afirmou e assinou termo de declaração, tendo por testemunha dois advogados da ARTESP, que as viagens sem parada não estavam mais sendo realizadas. Está no documento assinado por ele:
“Quanto ao item E, de fls. 344, o declarante esclarece que tal questão já está solucionada. As empresas Cometa e Cruz, que fazem o itinerário São Paulo – Ribeirão Preto e São Paulo – Araraquara (e vice-versa), não estão mais utilizando o prolongamento, fazendo também a parada técnica de 20 minutos”.
Diligência recente do MP comprovou que as viagens continuaram sendo realizadas. No terminal Rodoviário do Tietê, às empresas que operam para Ribeirão Preto mantém inclusive cartaz anunciando os horários que realizam viagens sem parada. Nada menos de 22 horários sem parada contra 10 com parada.
Consultada de porquê o Diretor Geral da ARTESP informou ao Ministério Público que essas viagens tinham terminado, embora isso nunca tenha ocorrido, a ARTESP ficou de responder, mas até o fechamento desta matéria não enviou esclarecimentos.
Nas viagens sem parada os motoristas são obrigados a dirigir até 4 horas sem parar, o que contraria a Portaria 9, padrões internacionais de segurança, estudos de entidades médicas, que recomendam parar a cada duas horas de direção contínua ou 160km.
Aumentando o risco de acidentes e podendo causar lesões graves na coluna vertebral dos motoristas, já que, conforme ensina a Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT), “a cada duas horas é preciso levantar para evitar lesões”, conforme explica Marcos Musafir, presidente da entidade:
“A posição sentada comprime os discos intervertebrais, e tensiona a musculatura para vertebral, e quanto maior o tempo na mesma posição, menor lubrificação entre as estruturas, que são articulações, e passam a funcionar sob tensão, mais lentamente e comprimem estruturas nobres, dai vem a dor, pela compressão nervosa.”, explica o presidente da SBOT – Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia.
Fonte: SOS Estradas