Artigo | Marcos Morita (*)
Uma nova polêmica em torno dos recalls automobilísticos chegou ao mercado essa semana envolvendo a Volkswagen.
A empresa lançou a “Campanha Oficina Ativa”, que prevê a revisão do motor 1.0 flexível EA-111que equipa 400 mil unidades entre os modelos Gol, Voyage e Fox, fabricados a partir de abril de 2008.
Talvez alguns leitores achem que já viram matéria semelhante, ou que se trate de alguma reedição. O infeliz proprietário por sua vez, tem bem clara a cronologia dos fatos.
Em agosto, duzentos e sessenta mil proprietários de carros da mesma montadora foram chamados para atualização do software de gerenciamento do sistema de partida.
Em baixas temperaturas poderiam surgir dificuldades para ligar o veículo, cuja repetição eventualmente causaria incêndio.
Em dezembro do ano passado, cerca de cento e vinte mil veículos tiveram que retornar às concessionárias da Volksvagen para calibrar a unidade de comando do motor, uma vez que havia a possibilidade de endurecimento do pedal de freio quando acionado repentinamente.
Isso sem contar o polêmico recall do Fox, ocorrido em fevereiro de 2008, cujo problema no sistema do banco traseiro chegou a decepar dedos de oito consumidores, até que enfim, a montadora se viu obrigada a anunciar um recall aos proprietários do veículo.
Estarrece-me a repetição de problemas tão diversos em espaço de tempo tão curto, ocorridos com a mesma marca e pasmem, com os mesmos modelos de veículos.
Coloque-se por um minuto no lugar destes proprietários. Imagine qual sentimento, ao ver seu veículo mais uma vez nas páginas dos jornais.
Empresas levam tempo para promover sua marca, imagem e reputação – corroborados pelos testemunhos dos usuários e divulgação boca-a-boca. Chocolates belgas, relógios suíços, bolsas italianas, produtos eletrônicos japoneses. Sabor, precisão, design e qualidade, construídos ao longo de décadas de muito trabalho.
Os departamentos de marketing e comunicação utilizam-se destes atributos para criar o posicionamento de sua marca na mente dos consumidores, estabelecendo laços emocionais e afetivos, mais difíceis de serem quebrados.
Viagens, passeios e experiências vividas a bordo de um veículo da marca, por certo fazem parte da memória de grande parte dos brasileiros. Por décadas, o velho e bom fusquinha foi o personagem das histórias de muitas famílias.
Durabilidade, mecânica comprovada, resistência, manutenção fácil e barata, foram e são até hoje as vantagens competitivas utilizadas pela marca alemã frente a seus concorrentes.
Hoje, os consumidores param para pensar se eles “fazem carro, carro mesmo”, como dizem os mecânicos em seus comerciais.
Por estas razões, acredito que este último recall seja o mais sério já enfrentado pela empresa, afetando o mais importante de seus atributos: o motor e sua mecânica, alardeada por décadas.
Apesar da seriedade e complexidade logística, a montadora decidiu por um recall branco, utilizado quando o defeito não afeta a segurança ou a integridade física.
O código do consumidor obriga os fabricantes somente quanto há potenciais riscos aos usuários.
As explicações e soluções apresentadas são as de que os veículos terão o óleo do motor trocado e sua garantia estendida. Informação questionada por especialistas.
Os custos envolvidos, caso o problema seja mais sério, seriam da ordem de um bilhão de reais, envolvendo a retirada do motor e reparos.
É talvez a decisão mais difícil já enfrentada pela montadora. De qualquer maneira, agir rápido, ser transparente, utilizar-se de comunicação clara com o mercado, antecipar-se a eventuais problemas e principalmente respeitar os consumidores são ações que devem ser implementadas em momentos de crise. Principalmente quando ocorrem no coração, ou como neste caso, no motor da marca.
(*) Marcos Morita é mestre em Administração de Empresas e professor da Universidade Mackenzie. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas multinacionais.
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