“O homem é piloto e a mulher é motorista”. A afirmação é da Presidente da Associação Nacional de Psicologia de Trânsito, Telma Nunes dos Santos. Poderia soar como mais um rancoroso discurso feminista não fossem os dados que comprovam as palavras da psicóloga.
Para se ter uma noção, das 28 mil carteiras de habilitação apreendidas pelo Detran de São Paulo no último mês de junho, apenas 280 pertenciam ao sexo feminino. Ou seja, 99% das infrações identificadas no trânsito paulistano são cometidas pelos homens.
É evidente que o número de mulheres no trânsito ainda é inferior ao de homens. Apenas 24% das 31,3 milhões de carteiras de habilitação expedidas no Brasil até fevereiro deste ano foram para mulheres – algo em torno de 7,6 milhões de habilitações -, segundo dados do próprio Denatran, Departamento Nacional de Trânsito.
Esta é uma das razões pelas quais a mulher aparece pouco nas estatísticas. Além disso, quando há um casal no carro, na maior parte das vezes é o homem que dirige. De acordo com a Polícia Rodoviária Federal, no primeiro semestre deste ano foram registrados nas rodovias federais brasileiras 55,5 mil acidentes, com 3,3 mil mortos. Os acidentes envolveram 94,7 mil condutores dos quais 5,7 mil eram mulheres, cerca de 6% do total. Pouco mais de 10% das motoristas acidentadas morreram.
Pelas estatísticas parece que a mulher está enfrentando o caos no trânsito com desenvoltura. Algo que até 20 anos atrás era ainda um assunto dominado apenas pelos homens. Até a década de 80, o veículo escolhido por elas – muito mais devido ao apelo estético que pelo desempenho – era bancado quase sempre pelo pai ou marido e deveria ser, no máximo, “charmosinho”, para impressionar as amigas.
Atualmente, é comum encontrar as mulheres a bordo de potentes “carrões”, comprados por elas mesmas.
De acordo com recentes estudos sobre o comportamento das mulheres ao volante, nos próximos 30 anos é provável que elas se tornem tão agressivas quanto os homens. Telma Nunes diz que a ala feminina vê o carro como símbolo de independência. Assim como competem no mercado de trabalho com os homens, no volante acontece o mesmo. Segundo a psicóloga, a “Dona Maria” – alcunha que as mulheres inevitavelmente recebem em discussões no trânsito – está deixando de existir.
Hoje a mulher não apenas enfrenta o trânsito como faz dele um aliado em novas profissões. No Rio de Janeiro, algumas empresas de ônibus urbanos resolveram apostar na ala feminina ao volante de coletivos. Há quatro meses a Viação São Silvestre contratou duas mulheres que estão superando as expectativas na direção dos ônibus. “Ficamos receosos, mas estamos muito satisfeitos. Não tivemos qualquer acidente, multa ou reclamação dos passageiros”, confessa o inspetor geral da empresa, José Fernandes Cardoso.
Estas profissionais, porém, ainda são minoria. Elas ocupam menos de 1% do quadro de motoristas nas empresas de transporte coletivo no município carioca. Em outros centros urbanos, este percentual é ainda menor.
No entanto, no que depender do inspetor Fernandes, as mulheres já têm vaga garantida no mercado. “Se pudesse, trocaria meus 500 motoristas por mulheres”, valoriza ele.
As companhias de seguros também apostam na forma como as mulheres conduzem os veículos. “Elas são melhores condutoras que os homens, batem menos e, quando se envolvem em acidentes, os danos geralmente são bem menores”, observa o vice-presidente da Sul América Seguros, Julio Avelar. Para ele, esse comportamento está ligado ao instinto maternal. “A mulher é mais cautelosa. Ela tem o instinto de preservação, logo tem muito mais cuidado”, psicanalisa.
De qualquer forma, o velho ditado “mulher no volante, perigo constante” está cada vez mais antigo. Além dos elogios pela prudência com que dirigem, as mulheres também pagam até 60% menos que os homens ao optar pelo seguro. Elas também não dispensam a assistência 24 horas, já que a perspectiva de ficar na rua com o carro enguiçado ainda é vista com indisfarçável temor.
Ter um automóvel com seguro muitas vezes não chega a ser sinônimo de sossego para as mulheres. Vistas ainda como “sexo frágil” principalmente pelos assaltantes, elas são as vítimas preferidas de furtos em sinais de trânsito e seqüestros-relâmpago, quando ficam em poder do bandido durante horas sacando dinheiro em máquinas de banco, por exemplo.
Na cidade de São Paulo, as motoristas são o alvo perfeito para os ladrões muitas vezes por mera distração. “É uma conversa ao celular, uma retocada no batom e um papo mais demorado com a amiga que as põe em risco”, acredita Telma.
Com medo de dirigir sozinhas, muitas mulheres estão recorrendo ao “companheiro virtual”. Trata-se de um boneco feito em fibra de vidro que, aos poucos, está se tornando uma “obsessão” entre socialites e profissionais liberais do eixo Rio-São Paulo.
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Sopa de Letrinhas
Assim como ocorre com relação aos acessórios, o Código de Trânsito Brasileiro também é confuso na definição das categorias de habilitação – chega a exigir habilitações diferentes para veículos muito semelhantes.
A categoria A, por exemplo, permite dirigir motos e triciclos de qualquer cilindrada. Já a categoria B é para os motoristas de veículos automotores “não abrangidos pela categoria A” cujo peso bruto total não exceda os 3,5 mil kg e com lotação de até oito lugares, excluído o motorista.
A categoria C destina-se a motoristas de veículos de transporte de cargas com peso bruto total superior a 3,5 mil kg, enquanto a D é, igualmente, para veículos de transporte, só que de passageiros e com capacidade para mais de oito passageiros, sem o motorista – mas sem restrições de peso.
A categoria E, por sua vez, destina-se a motoristas de qualquer veículo, mas que esteja com reboque, semi-reboque ou articulado com peso bruto de 6 mil kg ou mais ou ainda qualquer trailer.
Com essas definições, conclui-se, por exemplo, que para se dirigir uma van Besta de nove lugares – incluindo o motorista, basta a categoria B.
Mas se a van for uma Hyundai H100 de 12 lugares, é preciso da D. Ou seja, modelos parecidíssimos, habilitação bem diferente. Já o motorista de um carro de passeio que estiver rebocando um trailer leve ou pesado deverá ter habilitação categoria E, a mesma de quem estiver ao volante de um enorme e pesadíssimo caminhão articulado. Mas o motorista de um motor-home – teoricamente – não tem com que se preocupar: o código não define claramente qual deveria ser sua habilitação.