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A qualidade de ensino e sistemas de avaliação

Walter Antônio Bazzo – Projeto Engenheiro 2001

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O que é qualidade no ensino? Depois de disseminados no sistema industrial, os programas de qualidade total passaram a conquistar novas áreas.

Corroborando o modelo industrial como uma matriz para a organização social, estaria agora o sistema educacional tentando importar a “nova conquista”.

A indústria moderna, não obstante toda a ampla gama de relevantes serviços prestados à sociedade, permanece praticamente incólume às visões mais críticas e refletidas a respeito de suas influências na organização social humana.

É certo que isto não pode invalidar a priori o aproveitamento das idéias que se mostraram aceitas nesse sistema.

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Mas a migração de modelos de uma organização para outra talvez nem sempre possa ou deva ser realizada de forma linear.

Vamos fazer um rápido exercício de reflexão, tentando registrar uma forma de se entender um pouco como se dão os movimentos entre as organizações sociais.

Podemos imaginar as sociedades humanas como conjuntos multifacetados interdependentes de coletivos, regras, linguagens, sistemas, indivíduos, enfim, de criações que os homens interativam e continuamente constrõem e reconstrõem, em movimentos constantes que caracterizam as suas ações.

Da inter-relação entre as várias atividades dos homens, surgem inevitáveis trocas entre os inúmeros conjuntos que formam a sociedade.

Há quem afirme, inclusive, que das traduções intersistemas dependem as inovações. Teríamos assim não criações puras, mas eternas reconstruções surgidas da reorganização e recombinação de velhas idéias.

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Os frutos das traduções dessas idéias de um para outro sistema, entretanto, nem sempre fornecem os resultados desejados.

Mesmo assim, tomados de empréstimo de outros setores, modelos adequadamente adaptados têm apresentado resultados valiosos tanto quanto aqueles especificamente forjados para uma dada situação.

Não seria difícil relacionar vários fatores positivos que justificariam a implantação de um programa de qualidade num sistema empresarial, mesmo que para isso seja necessário esquecer momentaneamente possíveis divergências filosóficas ou ideológicas.

Mas tudo que dá certo no sistema industrial tem de dar certo em qualquer outro campo de atividade?

Será que os sistemas de qualidade hoje aplicados num sistema industrial contextualizado são realmente vantajosos?

O alcance pretendido com este texto nos proíbe avançar por estes caminhos, mas desconfiamos que abordagens e questionamentos relativos aos sistemas de avaliação e qualidade do ensino de engenharia, quando realizados, o são de forma imediatista e, na grande maioria das vezes, amadorística.

Nestes trabalhos são considerados em especial levantamentos esporádicos, sem sistematização, realizados por indivíduos que, embora estejam vivamente preocupados com um quadro que individualmente identificam, atuam, no mais das vezes, desprovidos de embasamentos teóricos que permitam realizar análises realísticas que possam resultar em melhorias da qualidade para o ensino de engenharia.

Parece-nos que essas efêmeras discussões servem a propósitos que não vão além de um puro diletantismo de eternos descontentes, ou apenas para referendar decisões sumárias sobre temas dos quais não queremos nos ocupar.

Temos razões para acreditar que qualidade de ensino não se faz apenas com laboratórios bem equipados, informatização da burocracia universitária, bibliotecas climatizadas, salas de aula e corredores limpos e pessoas educadas atendendo nos balcões das escolas.

Se é certo que estas sejam condições que de alguma forma facilitam e ajudam a humanizar o processo de ensino, há muitas questões entre um indivíduo e o conhecimento, que os aspectos mais aparentes seguramente não dão conta de resolver.

Um ensino só pode ser considerado de qualidade se ele oportunizar a construção de conhecimento por todos os indivíduos envolvidos no processo. Um possível caminho

Um questionamento que costuma freqüentar discussões acerca dos cursos superiores é a suspeita de que eles não cumpram adequadamente alguns de seus objetivos.

Questiona-se, por exemplo, se os profissionais formados estão tecnicamente capazes ou se possuem visão social crítica e criadora.

Se por um lado tais suspeitas são discutíveis, pois muitas não passam de desabafos espontâneos, por outro não se pode negar que há realmente um certo distanciamento entre o pretendido e os resultados práticos obtidos.

Isto sem fazer referência a uma pretensa situação ideal, onde fosse buscada uma educação integral e com forte embasamento que garantisse uma formação de indivíduos com conhecimentos mais duradouros.

Com a crescente competitividade industrial, que se alastra crescentemente a nível mundial, altera-se o quadro do mercado de trabalho enfrentado pelo profissional engenheiro.

De um mercado eminentemente regional, onde os produtos circulavam em áreas bastante restritas, passa-se a um mercado onde imperam confrontações entre produtos de ampla circulação.

Esta é uma tendência que vem tomando corpo de forma mais incisiva a partir das grandes expedições, notadamente na idade média, com as grandes navegações.

O comércio teve aí um forte impulso. Mas nada comparado aos tempos atuais, onde as noções de distância territorial foram praticamente aniquiladas.

Mão-de-obra, processos de fabricação, matérias-primas, impostos, margens de lucro e fontes de energia, por exemplo, que tinham papéis mais ou menos bem definidos na composição de preços de um produto, de repente precisam de novo passar por um processo de reequilíbrio das suas participações nos balanços de custos.

Mesmo que considerássemos apenas estes aspectos, já perceberíamos profundas mudanças nas relações sociais. E onde muita coisa muda, outras, que a princípio parecem correr à margem desses problemas, também precisam mudar.

Com o sistema de ensino não seria diferente. Como nas demais profissões, o ensino de engenharia precisa se reestruturar, tomar novo fôlego.

O sistema de ensino não pode continuar passivo, tentando apenas absorver os múltiplos impactos das mudanças sociais, ou os negando na medida da sua incapacidade de enfrentá-los.

Se os currículos estão desatualizados e não são mais apropriados para a formação de um engenheiro para os novos tempos, talvez devamos de fato reestudá-los.

Mas recorrer pura e simplesmente a alterações superficiais desse quadro pouco ajuda a resolver o problema.

É só relembrarmos as inúmeras tentativas de se solucionar os problemas de ensino em que fomos agentes ou testemunhas.

Com as alterações das grades curriculares, com a aquisição de sofisticados equipamentos para os laboratórios, com a assinatura de revistas internacionais ou com a construção de novas salas de aula, o que mudou no ensino? Muito pouco.

Talvez devamos mudar o eixo das discussões. Pensar em disciplinas estanques sem ligação com o contexto social em que o ensino está inserido, sem que seja considerada a historicidade da sua criação, ou mesmo sem as alternativas aos modelos apresentados, pode não resultar em mudanças substantivas.

Uma mudança no ensino, acreditamos, deve estar sustentada pela integração dos conhecimentos, numa verdadeira interdisciplinaridade.

Esta interdisciplinaridade não pode ser edificada como a criação de um discurso fundamentado numa somatória de disciplinas, mas sim configurada como uma prática específica visando a abordagem de problemas relativos à existência cotidiana.

Além disso, deve também estar sustentada no trabalho coletivo, na participação dos indivíduos na construção daquilo que os afeta, na utilização consciente de referenciais epistemológicos, num entendimento de como se processa a apreensão do novo.

Esta forma participativa, que imaginamos deva tornar-se um paradigma que norteará as organizações sociais num breve futuro, deve pressionar o ensino em relação a uma mudança radical.

Quem não assumir essa nova postura ficará na contramão da história, e terá que arcar com as conseqüências disso.

A formação do professor – Um fato determinante que definirá uma mudança deste panorama é uma atuação no sentido de se alterar um paradigma dominante entre os professores.

Segundo este paradigma, julga-se, em contraposição às evidências contrárias, que o ensino de engenharia vem dando certo e que não precisa ser alterado.

Uma forte tendência entre os professores, quando admitem a existência de problemas na aprendizagem, é a de transferir a responsabilidade desses fracassos ou para os alunos ou para as deficiências materiais de infra estrutura.

No mais, continuam às voltas com seus trabalhos mais imediatos, de cunho pretensamente “científico”, seguindo à risca o padrão vigente na universidade brasileira que valoriza mais a pesquisa, a publicação eminentemente técnica, a administração, e relega a segundo plano o ensino.

Quando pensam no ensino, os professores normalmente recorrem a lembranças de um tempo em que os estudos seriam cobrados com mais rigor, em que a rigidez do próprio sistema daria conta de imprimir ritmos mais eficazes de aprendizagem, em que os alunos encaravam com mais seriedade as suas obrigações escolares.

Enquanto ocupados com um saudosismo tardio, de um tempo que talvez nunca tenha de fato existido, ficam estagnadas as abordagens mais sérias para buscas de soluções que possam melhorar não só o ensino, mas acima de tudo a aprendizagem.

Isso num tempo em que a dinâmica do processo ensino-aprendizagem sofre enormes influências do acelerado desenvolvimento científico e tecnológico.

Embora seja praticamente um consenso entre os professores de engenharia a valorização do planejamento e da otimização dos processos no seu respectivo campo de trabalho, pode-se facilmente perceber uma forte discordância em se valorizar estes procedimentos quando se trata do ensino.

Tudo se passa como se nesta área a profissionalização fosse inócua, ou desnecessária.

Estaria assim o ensino numa categoria à parte, sendo daquelas atividades que acontecem naturalmente, sem a necessidade de estudo, treinamento e preparação.

No estágio atual em que se encontra o desenvolvimento científico-tecnológico, não cabem mais o amadorismo nem o empirismo, principalmente na área do ensino, que carrega consigo a responsabilidade de preparar boa parte da formação de indivíduos que conduzirão os destinos da nação.

A implantação de uma cultura de formação contínua de professores, não só de caráter técnico, é ponto chave para se garantir qualidade no ensino.

Porém, esta é uma questão delicada, porque talvez se tema, inclusive, a existência de uma forma agressiva de mudança comportamental que possa pôr em xeque os conhecimentos dominados nas escolas.

Acrescente-se a isto, uma certa postura de inúmeros docentes que relutam em atualizar seus conteúdos e técnicas didáticas.

É um sintoma claro disto, por exemplo, o fato de no atual sistema de ensino se valorizar mais quem sabe a resposta do que quem sabe procurá-la ou desenvolvê-la.

Aliás, o próprio processo produtivo contribui de forma significativa para reforçar este quadro, quando adota e reproduz modelos vitoriosos de respostas dadas e fechadas, completando um círculo vicioso; a escola prepara indivíduos para o sistema produtivo, e este, por sua vez, fornece para a escola o modelo de organização. Avaliação e motivação

Na busca de qualidade para o ensino, entra também de forma contundente uma revisão nas formas de avaliação a que são submetidos os estudantes, em especial na área tecnológica.

Até mesmo em respeito às profundas alterações comportamentais hoje vigentes na sociedade, não é mais possível que os estudantes sejam submetidos a verdadeiros massacres psicológicos, em nome de avaliações em que praticamente se consegue quando muito, quantificar informações retidas num momento específico.

A competição da escola com os meios modernos de divulgação de informações nos coloca uma séria questão com relação à motivação dos estudantes: as aulas tradicionais deixam definitivamente de ser atraentes, quando confrontadas com a televisão com seu múltiplos canais e seus programas cada vez melhor produzidos, com a “navegação” via Internet, com os programas multimídia, com a realidade virtual.

As avaliações, nos moldes ainda atualmente empregados, tornam-se mais que ultrapassadas, são inócuas ou mesmo um obstáculo para a motivação.

Como resultado, colhem-se cada vez mais desilusões, desistências e inconformismos com o sistema de ensino.

Uma nova postura nos sistemas de avaliação não implica o relaxamento de níveis de exigência no aprendizado, nem uma redução de carga de trabalho para a construção de conhecimentos.

Depende, na verdade, de uma utilização mais racional dos tempos de construção de conhecimento, das perturbações que o professor, enquanto orientador do processo ensino-aprendizagem, deverá imprimir para motivar os alunos na busca de novos conhecimentos.

Depende também da capacidade de se perceber o nível cultural com que o aluno chega à sala de aula para se construir, com ele, o conhecimento a partir dali, e não a partir de um utópico nível pré-determinado unilateralmente pelo professor.

Depende ainda do aproveitamento das novas tecnologias para facilitar a aprendizagem, e não de uma aposta de que equipamentos sofisticados dêem conta da complexa inter-relação que existe entre os indivíduos e os objetos de seus estudos.

Sugestões – A título de conclusão, imaginamos que o ensino de engenharia necessita, mais do que de uma modernização, de um verdadeiro choque de qualidade, de uma mudança de postura que possa permitir a construção de soluções contextualizadas, e que acima de tudo respeitem as individualidades dos seus participantes.

Isso, acreditamos, passa inexoravelmente por uma formação diferenciada do corpo docente.

Mesmo podendo representar uma pequena parcela de contribuição, as sugestões listadas abaixo devem colaborar para uma quebra da rigidez excessiva presente hoje nas escolas de engenharia quando o assunto é referente ao ensino.

Se elas forem ao menos consideradas, um grande passo já terá sido dado nesse sentido.

São elas: Análises tão profundas quanto possível das modificações processadas no certo mercado de trabalho, e que exigem novas formações para os profissionais de qualquer área.

Estas novas posturas implicarão novos métodos de abordagem do ensino e novas relações com o conhecimento; Discussões a respeito das relações entre ciência, tecnologia, e por conseqüência o ensino, e a sociedade em que estão inseridos;

Estudos visando a implementação e/ou fortalecimento da vinculação entre pesquisa e ensino de graduação no seio das próprias escolas, buscando sempre uma participação ativa do maior número possível de alunos nos programas de desenvolvimento científico e tecnológico;

Valorização de uma forte integração entre professores, alunos, pesquisadores, funcionários e comunidade em geral, num jogo construtivo de idéias, na busca de soluções úteis para a sociedade; Aposta na participação coletiva para um crescimento intelectual, uma minimização do individualismo e uma maior integração dos diversos campos do saber trabalhados dentro da instituição, com vistas a uma troca mais eficiente de conhecimentos nas mais diversas áreas de atuação; Discussões a respeito das implicações, em termos de aprendizagem e formação geral dos cidadãos, da valorização acrítica da autoridade arbitrária do professor, da consideração do ensino como “repasse” de conhecimentos previamente elaborados, do culto ao método científico clássico e, principalmente, da cobrança de uma escamoteada submissão dos alunos em relação aos ritos e mitos acadêmicos; Discussões a respeito das conseqüências de um diálogo livre para o ensino e para a aprendizagem.

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